
O Desporto como Escola de Virtudes
Jorge Machado
2025-11-06O desporto é, hoje, uma das atividades mais valorizadas pela sociedade. Mas a sua importância vai muito além da competição, do espetáculo ou do simples exercício físico. Quando olhado como prática educativa, o desporto revela-se um terreno fértil para a formação moral dos indivíduos. É neste ponto que vale a pena recuperar o pensamento de Immanuel Kant, filósofo alemão do século XVIII, que nos ajuda a pensar o desporto como espaço de exercício da autonomia, da responsabilidade e do respeito pelo outro.
Para Kant, o que distingue o ser humano dos restantes seres é a capacidade de agir segundo leis que ele próprio reconhece como válidas. Leis que não são impostas de fora, mas que brotam da sua razão. É esta capacidade de agir por dever, por respeito àquilo que é moralmente certo, que define a verdadeira liberdade. Educar, dizia Kant, é ensinar a usar a liberdade de forma responsável, segundo princípios universais. E o desporto, quando praticado com ética, torna-se precisamente num campo de treino da vontade moral.
Pensemos nas regras do jogo. Todos sabemos que sem regras não há competição justa. Mas, para Kant, respeitar as regras apenas por medo da penalização não tem valor moral. A ação só é verdadeiramente ética quando realizada por dever. É por isso que, no desporto, o gesto de um atleta que recusa tirar partido de um erro do árbitro tem tanto significado, pois mostra que age por consciência da justiça, e não por conveniência. Outro princípio fundamental de Kant é o de tratar sempre cada pessoa como um fim em si mesma e nunca apenas como um meio. Esta máxima tem uma enorme atualidade no desporto profissional, onde a pressão para vencer pode levar a esquecer a dignidade do atleta. O corpo transformado em máquina de rendimento, o recurso ao doping, a manipulação de resultados ou o sacrifício da saúde em nome da vitória são práticas que atentam contra a dignidade humana e que Kant condenaria sem hesitação. Mas o desporto também cultiva virtudes que Kant valorizava: o esforço, a disciplina, a perseverança. Para ele, o carácter moral é a disposição estável para agir segundo princípios racionais, mesmo contra interesses imediatos. Ora, o treino desportivo exige precisamente isso, sacrifício, autocontrolo, superação de limites. Nesse sentido, cada sessão de treino pode ser lida como um exercício prático de fortalecimento da vontade e da razão. Kant lembra-nos algo essencial: o desporto só cumpre a sua vocação educativa quando vai além do gesto técnico e da obsessão pela vitória. O que realmente importa é formar cidadãos autónomos, responsáveis e respeitadores da dignidade alheia. Educar para o desporto é, afinal, educar para a liberdade, não como licença para fazer o que se quer, mas como capacidade de querer o que é moralmente certo.





