As Confrarias até à Concordata com a Santa Sé em 1940 (IV)

Pedro Marques

2025-11-20


A par da sua função religiosa e caritativa na sua diversidade, todas as confrarias tinham obrigatoriamente os seus estatutos com os seus deveres e obrigações legais civis supervisionados, neste caso do distrito de Braga, pelo respectivo Governo Civil. Ou seja, em alguns pormenores: aprovação dos estatutos e cumprimento do seu clausulado a partir da base dos órgãos sociais: assembleia geral; direcção ou mesários que se encarregavam da parte administrativa e financeira, também com os seus pelouros; e Conselho Fiscal, para acompanhamento e aprovação ou rejeição, em cada balanço anual, das contas, no final de cada ano. Com as necessárias e obrigatórias convocações por editais. E até o próprio abade, para ser “irmão” das confrarias da paróquia, tinha de se submeter ao clausulado dos estatutos. Caso contrário, não podia dar “ordens”, pois era parte ilegítima e estranha à confraria ou confrarias, que eram várias nas respectivas paróquias.
Em S. Miguel, havia as confrarias do SS. Sacramento; do Coração de Jesus; do Senhor da Boa Morte e da Senhora das Candeias. E terá havido, bastantes anos atrás, ainda a confraria do S. Miguel, da vila das Caldas de Vizela, padroeiro da mesma.  Então, e no nosso tempo de estudante e no colégio onde estudámos, os que eram de Vizela, estavam registados nos anuários como residentes em Caldas-S. Miguel, ou Caldas-S. João. E em “Caldas S. Miguel” o seu padroeiro Arcanjo até chegou a ter procissão. Que acabou quando era pároco o Monsenhor Monteiro. Procissão esta enquadrada no tempo das colheitas, embora muito longe das solenidades como as festas religiosas do S. Miguel, noutras freguesias.
Quando as confrarias o eram no respeito pelos estatutos e à semelhança das associações civis, havia, no fim de cada ano religioso dos patronos das confrarias a coincidir com o dia das solenidades do seu padroeiro, a necessária convocatória por editais para a respectiva assembleia de fiéis. Era apresentado um inventário do seu património, dos bens imóveis aos móveis ou alfaias – bandeiras, opas das confrarias, varas dos juízes e mordomos e respectivas luvas; da cruz e lampiões e outros utensílios de alumiar, às caixas de levar as opas aos funerais. Quase sempre carregadas à cabeça de uma mulher ou rapariga, desde a sacristia à casa do defunto por ocasião de funerais. E até do património do dinheiro em cofre e nos bancos ou emprestado e respectivos títulos de devedores se prestava contas.
E quando havia mesas cessantes, tudo isto (ou seja, todo o património) era mostrado e examinado pela nova mesa em assembleia de “irmãos” na sua tomada de posse. Não falhava uma vírgula; não falhava um milímetro.
 Tais eleições de cada nova mesa de confraria, eram por votação secreta. Nalgumas por favas pretas e favas brancas pois o analfabetismo eras quase geral. E depois de mostradas a favas que cada irmão escondia na sua mão fechada, era eleito presidente da Mesa da Assembleia Geral e demais órgãos sociais, aquele que mais favas contadas tivesse. Fossem brancas, fossem negras. E cada irmão tinha de ter em dia a sua quotização. Após isto, era dada a posse ao novo Presidente e respeciva transmissão de poderes e bens patrimoniais na diversidade referida. E destas prestações de contas iam cópias para sancionamento do Governador Civil de Braga. E eram feitas actas e inventário do património recebido com justificação documentada do eventualmente já desaparecido.
Quando viemos para Vizela, já só parcialmente esta formalidade acontecia. Mas havia ainda os livros das actas. Livros interessantes, onde se encontra muita curiosidade de valor. Pela positiva e pela negativa. E de alguns inventários ainda em dia mas já não de todo o património. E, devido a isto, os nichos dos sinos da torre de S. Miguel, onde também o da Confraria do SS. Sacramento, de vazios, parecem rosto sem olhos.
E porquê, esta delapidação do património?... Por falta de prestação de contas: a pouco a pouco, foi a delapidação de todo o património: imóveis, alfaias, dinheiro. Só ficaram os sinos na torre da antiga igreja de S. Miguel que, entretanto, passaram a para dita “nova”
E isto, porquê? Porque após a concordata do governo português com a Santa Sé (Vaticano) esta submissão, por Lei, da estrutura religiosa ao poder civil, deixou de ser obrigatória. E começou o descalabro patrimonial e disciplinar das irmandades nas paróquias.
Com o abraço amigo de sempre.