Jovens têm uma atitude diferente face ao trabalho
O mercado laboral está em mudança e as novas gerações encaram-no de maneira distinta das anteriores. Além da questão salarial, os jovens valorizam o equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal, a flexibilidade laboral e a procura por novos desafios profissionais.
Tânia Gaspar, Doutorada em Psicologia e coordenadora do Laboratório Português dos Ambientes de Trabalho Saudáveis (LABPATS), em declarações à Rádio Vizela, diz-nos que os jovens “sentem que quando entram numa empresa acabam por não ser valorizados, por lhes darem tarefas que as outras pessoas não querem fazer, e que acabam por fazer tarefas que não são adequadas às suas funções”. “Enquanto, se calhar, há uns anos isso era normal, ou seja, as pessoas consideravam natural que uma pessoa entrasse num emprego e começasse a fazer as coisas que as outras pessoas que lá estavam há mais tempo não o queriam fazer, neste momento os jovens não acham isso normal, eles acham que entrando no mercado de trabalho e tendo a mesma formação, ou [por vezes] até mais do que as pessoas que lá estão, devem ter as mesmas condições e as mesmas tarefas”. “Isto traz aqui um choque de gerações, porque as pessoas estavam habituadas a uma cultura - não estou a dizer se isto é certo ou errado -, mas digo que isto é um facto e que depois traz alguma dificuldade nas relações laborais”, assinala Tânia Gaspar.
Este entendimento resulta do trabalho efetuado pelo LABPATS junto de jovens entre os 25 e os 30 anos de idade. Este grupo apresenta uma “atitude diferente face ao trabalho”. “O papel que o trabalho tem na vida dos mais jovens já não é tão preponderante como se calhar há uns anos”. “Há um exemplo que me deram uma vez numa entrevista e que era este: há uns anos, se um médico tivesse uma operação de um caso muito raro os internos todos queriam ficar com o caso; na geração dos 50 anos as pessoas pensavam: aquele é um caso que tem lucros, é na área da cirurgia, uma área muito rentável, as pessoas queriam fazer, e se não fosse numa área rentável não queriam; e hoje em dia entendem que se a operação é às 17h00 e os jovens saem às 16h00 eles pensam: há de haver outra altura mais adaptada para eu fazer isto, no fundo privilegiam muito o bem-estar e o seu tempo livre”, aponta a coordenadora o LABPATS.
Esta mudança face ao trabalho acaba por trazer “muitos desafios às organizações, porque não estavam preparadas”. De acordo com Tânia Gaspar, “temos a cultura de as pessoas trabalharem mais e até mais tarde, um profissional hoje em dia tem de trabalhar 100 e os empregadores pedem para trabalhar 150, há sempre um pedido extra, um esforço constante para a pessoa dar o seu máximo e isso acaba por não ser muito sustentável, porque as pessoas não conseguem estar sempre a dar o seu máximo; e depois há dois caminhos, ou a pessoa entra em burnout e acaba por desistir e adoecer, ou acaba por sair e procura outra coisa”. E, lembra a responsável, “os jovens hoje em dia têm muito mais facilidade em ir para um sítio onde estão bem; se não estão bem numa empresa vão para outra”. “E os CEO’s dizem: mas andamos a preparar as pessoas, a dar-lhes formação e quando já são bons vão-se embora, [pois] se calhar têm de perceber que o mercado de trabalho está diferente, é mais dinâmico, a ideia de uma pessoa entrar numa empresa e ficar lá para o resto da vida já é algo que não é comum e que não é desejado pelos jovens”. “Até podem estar bem num sítio, mas há outro em que podem aprender outra coisa, ter experiências diferentes, mesmo que não tenham um rendimento maior, [os jovens] podem preferir outras experienciais e enriquecer o seu currículo, as situações estão a mudar”, argumenta.
O que pensam os jovens vizelenses?
A Rádio Vizela falou ainda com alguns vizelenses. Um desses testemunhos é o de Domingos Ferreira, de 35 anos e a residir Zurique, na Suíça, há cerca de seis anos. Perguntámos o que o levou a sair de Portugal, respondeu assim: “Já estava um bocado cansado do tipo de trabalho, a verdade é que um dia em que correu pior mandei um currículo para o estrangeiro, para a Suíça, e aconteceu, desenrolou-se tudo muito rápido e acabei por vir para cá”. Mas o que o estava a desmotivar? perguntámos ainda: “Senti que fui contratado sob falsas promessas, uma premissa demasiado otimista, que não se concretizou, e o projeto em que fui posto a trabalhar não estava a ser motivador o suficiente”.
Pela perspetiva do vizelense, e sublinhando a realidade do Vale do Ave, é que predominam as empresas familiares, “o dono é o chefe, é o presidente, é quase sempre tudo a família e pessoas próximas da família da sua confiança que tomam conta, essa é uma diferença que aqui não se vê tanto, mesmo empresas pequenas, começam a ter estruturas bastante profissionalizadas de gestão desde cedo”.
E o que o faria mudar de trabalho? Domingos Ferreira, apesar de já não se considerar propriamente um jovem, vai ao encontro das palavras que Tânia Gaspar nos deixou. “Algo que seja desafiante a nível profissional, mas que me permita perceber que eu consiga ter uma vida pessoal, com boas condições, com qualidade de vida”. “Eu não me interessaria, não trocava por uma empresa que me pagasse o dobro, mas que exigiria que eu trabalhasse 12 horas por dia, isso para mim é inconcebível”. “O trabalho é o sustento, é o que nos permite pagar a vida que temos, mas ao mesmo tempo não é prioridade”. “O ponto principal seria sempre que tipo de qualidade de vida é que essa proposta poderia oferecer, que não é limitada a dinheiro, é mais do que isso”, afirma Domingos Ferreira.
João Vieira, de 33 anos, também rumou à Suíça. Está em Berna a trabalhar num hotel a lavar pratos. Conta-nos que quando terminou o 12º ano foi trabalhar com o pai, depois numa empresa de plásticos até que arriscou e abriu um restaurante. Vieram a pandemia Covid-19 e a guerra na Ucrânia com consequências muito difíceis e que o fizeram encerrar atividade. Aí surgiu a oportunidade de emigrar. “Trabalhar numa fábrica para ganhar 800 euros, e aos preços que as coisas estão aí, se quisermos fazer família não dá, para arrendar uma casa está caríssimo, o que é que 800 ou 900 euros dá neste momento em Portugal? Não dá”. Na sua opinião, “o salário é o principal motivo para as pessoas saírem do país, aqui é possível tirar uns dois mil euros por mês, [já tirando os impostos e as despesas fixas] dá para comer e beber e juntar algum, aí não dá para juntar nada”. “Em Portugal os trabalhos são mal pagos”, salienta.
Jaime Magalhães, também de 33 anos, está há um ano em Saint Moritz, a exercer funções de “housekeeping”, num hotel de cinco estrelas. Um trabalho sazonal, mas que lhe tem permitido outras aspirações. “Trabalho seis dias por semana, tudo pago, e no fim do mês, trabalhar um dia a mais por semana, para quem ao fim de quatro meses vem três meses para Portugal, faz diferença, é um bom dinheiro”. “Este trabalho dá-me mais tempo para viajar, que é algo que gosto”, explica-nos.
Tiago André Leite também escolheu sair do país. Tem 22 anos e escolheu Pau, nos Pirenéus franceses para viver, onde trabalha em estruturas mecânicas. Já lá vão quatro anos. Em Vizela trabalhava na restauração. “Uma proposta melhor em termos salariais”, admite, poderia fazê-lo mudar de trabalho e lamenta que no nosso país “quem vive sozinho não consiga se consegue aguentar”, uma realidade que, garante, não tem encontrado onde se encontra a morar.
Este pensamento é partilhado por Tiago Machado, de 28 anos e que reside no Porto com a namorada: “é impossível alugar uma casa sozinho, quanto mais comprar uma; e se por acaso acabasse o meu relacionamento teria sempre de dividir a casa com alguém”. Além disso, o vizelense perspetiva que aqui “será sempre refém de empregos fixos”, sendo que após três anos a exercer as mesmas funções gostaria de experimentar outra área.
Tiago Machado trabalha para um banco francês, que tem no Porto o seu centro de serviços. As condições de trabalho agradam-lhe, mas admite que se pudesse trabalharia cem por cento remoto. “Trabalho três dias a partir de casa e dois em que é obrigatório ir ao escritório, o que acho mesmo desnecessário”, salienta.
Outro testemunho, o de Mariana Melo Magalhães, de 28 anos, que exerce funções de “training development”, numa empresa na Maia. Uma das vantagens que nos descreve é a flexibilidade de horário e também o trabalho híbrido, isto é, tal como o Tiago trabalha três dias em casa e dois no escritório. Como positivo, aponta ainda o salário, que “é bom”, atendendo a que não tinha experiência nesta área. Mariana Melo Magalhães licenciou-se em Gestão Artística e Cultural e gostaria de trabalhar nessa área, mas há outros fatores que teria em consideração se mudasse de trabalhar: “Sempre tive o desejo de trabalhar em Vizela e se a proposta viesse da minha terra seria logo um ponto positivo, gostaria de trabalhar na área artística e cultural, foi aquilo que estudei, seria também uma vantagem e o salário obviamente, acho que é essencial”. E o exterior é uma possibilidade? “Sempre pus essa opção como último plano, mas a cada ano que passa começa a ser opção atendendo aos meus objetivos, com a idade a avançar e a não alcançar aquilo que esperava começa a ser uma hipótese”, responde.
Diana Ribeiro, de 24 anos de idade, desde que saiu do 12º ano tem-se dedicado a frequentar formações, uma vez que até ao momento não conseguiu um emprego estável. Atualmente está a frequentar um curso de Comunicação e Serviço Digital, que lhe ocupa sete horas por dia. “Gostaria de trabalhar na área da Multimédia, mas está a ser difícil, mando currículos, mas temos de ter experiência”, argumenta. Diana Ribeiro diz mesmo que esta é uma realidade transversal, até em confeções, avalia. “Tem de se ter experiência nas máquinas e hoje em dia as empresas não dão espaço para que os seus funcionários possam acompanhar e ensinar quem não tem experiência”. Por outro lado, aponta os extensos requisitos que são colocados nos anúncios de emprego e que quem não tem experiência não os consegue cumprir.
Mundotêxtil subscreveu Pacto Mais e Melhores Empregos para os Jovens
De acordo com o Instituo Nacional de Estatística, a taxa de desemprego no 3º trimestre de 2023 situou-se em 6,1%, valor igual ao do 2º trimestre de 2023, mas superior em 0,1 pontos percentuais ao do 3º trimestre de 2022. Já a taxa de desemprego de jovens (16 a 24 anos) foi estimada em 20,3%, valor superior em 3,2 pontos percentuais ao do trimestre anterior e em 1,5 por cento ao do trimestre homólogo. Os números merecem uma reflexão, a que se juntam outras considerações, como a precariedade. O Pacto Mais e Melhores Empregos para os Jovens é uma iniciativa promovida e coordenada pela Fundação José Neves, que conta como Alto Patrocínio do Presidente da República, e que tem como objetivo, em conjunto com o Governo e as empresas, operar uma mudança real no atual contexto de vulnerabilidade associado ao emprego dos jovens.
A Mundotêxtil, em Vizela, foi uma das empresas signatárias desse Pacto, onde se apresenta um conjunto de indicadores que deverão ser seguidos até 2026. “Comprometemo-nos em aumentar, em três pontos percentuais, a percentagem de jovens nas novas contratações, a percentagem de jovens que permanecem na empresa dois anos consecutivos e a percentagem de jovens trabalhadores com contrato sem termo”. “Estes são os grandes pilares”, assume Mariana Oliveira, responsável pelos Recursos Humanos na Mundotêxtil. A estes, acrescentou: “Assegurar que pelo menos 50% dos jovens trabalhadores participam em ações de formação efetivas com apoio da empresa nos três anos anteriores, ter estagiários jovens e no, nosso caso, já fazemos disso uma política bastante ativa internamente”.
De acordo com a responsável, cerca de 15% dos trabalhadores da Mundotêxtil são jovens, estão distribuídos por quase todas as áreas da empresa, tanto no setor produtivo como no administrativo. “Acima de tudo, acho que proporcionamos um bom ambiente de trabalho, fazemos, anualmente, questionários de satisfação e de necessidades de formação, o que acho importante para nós percebermos o feedback que [os funcionários] têm para nos dar, depois temos ainda um projeto de formação, que se chama Entrelaçar, e que contempla um modelo de avaliação de desempenho e acredito que com isso vamos também gerir melhor as carreiras de todos e, inclusivamente, dos jovens”, apontou. Mariana Oliveira salienta que este Entrelaçar é “um modelo criado com o objetivo de questionar os trabalhadores sobre o que é que eles acham que no dia a dia deles faz diferença, o que está melhor ou pior, é um modelo que vai dar resposta à valorização da gestão de carreiras”.
“Felizmente não sentimos nenhuma dificuldade em contratar, acho que muito fruto das políticas de responsabilidade que nós temos e também daquilo que proporcionamos internamente a todos os trabalhadores”. “As pessoas cada vez mais sentem necessidade de serem valorizadas de outras formas e acho que isso também se verifica nos jovens, claro que eles se diferenciam por não gostarem de exercer sempre a mesma função, por quererem sempre mais, e também tentamos proporcionar isso internamente”, finalizou Mariana Oliveira.
Refira-se que na terça-feira, a Mundotêxtil recebeu a notícia de que recebeu o Selo de Igualdade Salarial, atribuído pela Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, o que significa que a empresa se destacou pela igualdade salarial entre homens e mulheres por trabalho igual ou de igual valor.