Joaquim Santos: "Ter formado grandes homens é maior alegria"

Joaquim Santos forma campeões no atletismo há quase 50

No início da presente temporada, o decano treinador decidiu colocar um ponto final no seu trabalho no FC Vizela, tendo recebido uma homenagem do FC Vizela. Ao fim de 39 anos deixa de ter o compromisso de estar presentes nos treinos e acompanhar os atletas nas competições, mantendo-se, contudo, como consultor dos outros dois treinadores, Salomé Rocha e Marco Correia.

Joaquim Santos forma campeões de atletismo há quase 50, entre o grande leque de atletas que formou, o destaque vai para quatro Atletas Olímpicas: Marisa Barros, Dulce Félix, Catarina Ribeiro e Salomé Rocha. Uma homenagem simples, mas carregada de simbolismo e emoção, que levou o treinador às lágrimas. “Eu ter formado atletas olímpicas, sim, senhor, adorei, agora, ser reconhecido... Homenagens? Não é para mim. No entanto, adorei a homenagem do FC Vizela, foi simples e bonita. Tinha os meus meninos todos, isso foi o mais importante. Sabia ir ter uma homenagem, mas não sabia que que forma. Fiquei muito emocionado quando os vi lá todos”, destaca com a simplicidade que o caracteriza.

Com limitações de locomoção, entende que está na altura de descansar: “São as limitações que tenho, já não tinha grandes hipóteses de estar ali, principalmente quando estivesse a chover. Não podia segurar o guarda-chuva e segurar nas canadianas, por isso fui preparando o terreno, fui preparando os treinadores para a minha substituição”.

Sai com a certeza de que a liderança técnica do atletismo do FC Vizela fica bem entregue: “O Marco Correia é excelente, treinei-o desde criança, desde os seis ou sete anos. A Salomé Rocha também comecei a treiná-la muito nova, já tem curso, é uma treinadora certificada, o Marco vai começar a tirar o curso dele, por isso, os miúdos estão bem entregues”, destaca.

Olhando para trás, Joaquim Santos recorda como começou no atletismo, tinha 24 anos, quando foi convidado pelo amigo Tomás Oliveira, para um treino, acabando por surpreendê-lo com a sua rapidez. Os treinos passaram a ser frequentes e integravam também António Caldas, outro eulalense. Logo depois passou a integrar a equipa do CCD de Santa Eulália, treinada por José Lima, que aproveitou atletas saídos do Vizela, que tinha feito uma pausa na atividade. Destacou-se na altura com a conquista de muitas provas, mas com pouca longevidade, pois foi criada em 1978 e acabou em 1981. “Tínhamos uma grande equipa, principalmente em Seniores, chegámos a ganhar 10 provas seguidas”. Foi pena não ter existido mais tempo, mas mesmo assim ganhei muitos troféus pelo Santa Eulália, até mesmo muitos títulos nacionais”.

E depois deste final a equipa passou por outras equipas da região, na altura empresas ligadas a empresas, “fui para as Malhas Centauro em Infias e depois para Garça Real, que também teve uma equipa de atletismo forte na altura”.

 

A entrada no FC Vizela como treinador em 1986

 

Com a reativação do atletismo no FC Vizela, integrou a equipa, juntamente com os seus colegas de Santa Eulália, mas já como treinador. “O António Espírito Santo, que era diretor do Vizela na altura convidou-nos e viemos todos para cá. Já vinha como treinador, porque no CCD já tinha começado a ajudar o treinador. Ainda fui campeão regional, pois acumulava as duas funções”.

Ser treinador de atletismo foi algo em que apostou, sempre de forma amadora, num trabalho pós-laboral. “Sair às duas da tarde deu-me sempre tempo para poder realizar os treinos e acompanhar os atletas”.

Destaca que sempre teve sede de aprender, para poder estar preparado e à sua maneira, foi acumulando conhecimentos na modalidade: “Fui procurando conhecimentos, fui fazendo os cursos, fui pedindo aos grandes treinadores informações, fui escrevendo. Nos cursos havia palavras que eu não percebia, termos técnicos, e eu pedia a quem sabia para me ajudar. Costumava dizer, “por favor, troca-me isto em miúdos” e então eles lá diziam-me.

Então fui ganhando experiências, fui fazendo vários cursos, até ser o treinador que agora sou. É gratificante, porque eu fiz grandes amigos à custa do atletismo. Eram senhores com grandes estudos, mas vinham dar-me os parabéns pelo trabalho que eu conseguia fazer no atletismo”.

Quando chegou ao FC Vizela, o atletismo era bem diferente do que é atualmente, mas já sonhava em ter atletas jovens e promover a formação do atletismo: “O Vizela tinha equipa Sénior e uma atleta feminina que era a Paula Salgado, mas eu sempre quis ter muito mais, como treinador. Ter formação, poder ensinar os miúdos. Foi quanto entrou o meu Rui e vários miúdos de Santa Eulália, que eram amigos dele”.

Na modalidade todos o conhecem como um verdadeiro detetor de talentos, algo que, no entanto, requer trabalho e tempo, para acompanhar muitas provas, corta-matos escolares, onde despontam os jovens atletas. “Desde muito cedo que eu comecei a ir às escolas ver. Tinha de chegar à porta e pedir para me deixarem entrar e assistir. Ia às provas ao fim de semana e observava os jovens que corriam, principalmente os que não tinham clube e convidava-os para virem para o Vizela. Também fui buscar atletas muito longe, quando via que eles tinham qualidade e corriam como individuais”.

Destaca que nem sempre é fácil angariar atletas e depois fixá-los nos clubes, há a necessidade de um acompanhamento constante: “Na nossa zona, perderam-se muitos talentos porque os pais não deixavam, os filhos correrem, diziam-me o meu filho tem mais que fazer. Perdemos muitos atletas e bons atletas por irem para a universidade, outros arranjavam emprego e já não queriam continuar. Quanto a fixá-los, se não gostarem no primeiro ou segundo mês, desaparecem e nunca mais voltam. Desistem, por norma, porque ou não querem vir aos treinos, porque têm outras preferências. Se não sentissem à vontade para correr, já nem apareciam à prova. Então eles aí iam desistindo”.

Para além do treino é necessária a “ação psicológica”, que conta muito: “Havia atletas que me diziam, sr. Santos, se você não estiver no dia da prova, não vou conseguir correr. Era preciso juntá-los e conversar, porque se havia um atleta que era mais forte do que eles, já vinha aquele medo. Eu tinha de fazê-los ultrapassar isso. Até aponto um exemplo, a Salomé Rocha e a Catarina Ribeiro, corriam com a Daniela do Várzea e ela ganhava-lhes sempre. A Salomé tinha medo dela, nem passava a Catarina, porque era colega de equipa, e não passava a Daniela. E foi só depois de eu lhe dizer que tinha capacidades para vencê-las e após orientá-la na prova, ganhou e a partir daí, ganhou-as todas. Conta muito conhecer bem as atletas, conhecer as suas debilidades e os seus pontos fortes também”, destaca.

Ao longo destes anos formou grandes atletas, que acompanhou desde pequenas, quatro atletas que chegaram aos Jogos Olímpicos: “O que me fez insistir com certos atletas, era saber que eles tinham potencial, mas que por vezes leva tempo a despertar, a soltar. Fui a uma prova e vi a Dulce Félix, como vi que a equipa não tinha grande potencial, falei com o treinador delas, que até veio com ela, uns dias para o Vizela, para ajudar a integrá-las. Com as outras foi igual, foi trabalhar e vê-las crescer e ser referências ao nível nacional e internacional”

 

 

 

“Ter formado homens e mulheres é a maior alegria”

 

Joaquim Santos orgulha-se do seu passado e de ter passado para o filho, Rui Ferreira o gosto pelo atletismo é um deles, primeiro como atleta e depois a seguir os seus passos como treinador. “Já em Júnior, o Rui era muito razoável, de média para cima, e então o Boavista faz um convite à Dulce, queriam levar o Rui e a Dulce. O Rui já me ia ajudando, então eu falei com o presidente do Vizela, que era o José Armando, que não os deixou sair.

Então aí o Rui ficou-me a ajudar, a treinar os mais velhos eu fiquei mais com os miúdos.

O Rui começou a crescer muito como treinador, interessava-se e usava as novas tecnologias, ia buscar coisas diferentes, para ensinar. Depois começou a fazer os cursos, a evoluir, a trabalhar no terreno, a fazer as experiências dele e chegou ao grande treinador que é hoje.

 E eu fui assistindo à formação de grandes atletas como a Salomé e a Catarina”.

O que o meu filho faz no atletismo é uma das coisas que me enche de orgulho. Ele faz sempre as coisas muito bem-feitas”.

E foi preciso deixar as atletas voarem, porque havia muita cobiça dos grandes clubes: “Os grandes vinham, ofereciam mais condições, aliciavam com coisas que o Vizela não podia oferecer. E eles iam logo embora, era uma forma deles também crescerem como atletas, porque eu sabia que aqui não tinha a hipóteses”.

As dificuldades foram sempre muitas, como também destaca: “Havia falta de infraestruturas, não tínhamos sítios para treinar, o atletismo sempre foi o parente pobre. Ainda assim em relação aos resultados, foi muito longe. No clube deram-nos aquilo que puderam, só tenho coisas boas a dizer do Zé Armando, do Mário Zé ou do Manuel Pereira. Tivemos até que ir durante uns tempos para os Dragões de Vizela, com muito apoio do António Neto. Mas retomamos, mal foram criadas as condições. Na atualidade Pedro Oliveira foi uma das melhores coisas que apareceu no Vizela, certificou-se sempre que não nos faltava nada”.

Acredita que as condições poderão ser melhores a breve prazo: “Julgo que poderá haver uma pista construída para breve, espero não morrer sem ver a pista construída. É um dos meus sonhos, é ver a pista pronta”.

Atualmente a secção vive um bom momento, também pelo apoio e empenho dos pais dos atletas: “Isso foi uma das ideias do Rui, houve uma altura em que chegámos a ter problemas com os pais. Eles queriam mandar na secção e no trabalho que se fazia com os filhos. Depois, mais tarde, o Rui começou a integrar os pais, que agora fazem parte da secção, eles é que organizam parte das coisas. Muitos deles passaram a correr e já integram a equipa”.

Pessoalmente sente-se realizado, mais do que ter formado grandes atletas, valoriza as relações humanas que construiu: “O maior prazer é ter formado grandes homens e mulheres, a situação do atleta vem depois”. Acredita que teve influência muito positiva na vida de muitos atletas e que o atletismo os retirou de algo que podia ser prejudicial à vida deles. “Eu tenho atletas, já homens, que me dizem você foi o meu treinador e o meu segundo pai. Quando queriam um conselho, vinham pedir-me”. 

Destaca que nunca quis promoções, nem ganhar dinheiro à custa do atletismo: “Tive vários convites, financeiramente bons convites, e nunca quis ir. Faziam-me o convite e eu dizia, amigo, esqueça que eu não vou, não quero, estou bem onde estou. Ganhar dinheiro com o atletismo nunca foi um dos meus objetivos, se fosse, tinha ido.

Só tenho a agradecer, obrigado a todos os que me acompanharam, obrigado por aquilo que fizeram comigo para o bem do atletismo e dos atletas”, destacou.

 

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