
As mulheres que a ciência esqueceu
Deusa Pereira
2024-04-04Há uns dias, li um artigo do Público sobre cientistas mulheres que sofreram na pele a discriminação sobre o seu género ao verem roubados os seus trabalhos científicos ou a não serem devidamente reconhecidas por descobertas científicas importantes, descobertas essas que hoje em dia são a base da ciência e medicina moderna entre outras áreas. Fiquei curiosa e fui pesquisar mais sobre este tema e, após constatar, que são imensos os casos de cientistas cujo nome a ciência esqueceu, algumas durante anos sem o devido reconhecimento, decidi deixar neste artigo a minha homenagem a elas.
Comecemos por Mary Anning, inglesa que nasceu em 1799, vivia com a sua família em dificuldades financeiras então procurava fósseis para vender. Nunca teve uma educação formal mas foi autodidata em geologia e anatomia. Foi Mary que encontrou o primeiro fóssil completo de um Plesiosaurus, cujo nome significa ‘semelhante a um lagarto’. Como o fóssil era tão diferente do que se conhecia ate então, a descoberta foi discutida numa reunião, mas Mary Anning nunca foi chamada a estar presente. O fóssil foi considerado legítimo e tal como outras descobertas que ela fez nos anos seguintes, que foram fundamentais para a compreensão sobre a extinção das espécies, nunca foram reconhecidas. Em 2020 o filme Ammonite conta a sua história em forma de homenagem.
Nettie Stevens nasceu em 1861 nos Estados Unidos. Devido a ter nascido mulher, teve várias dificuldades para conseguir estudar e se formar e só aos 39 anos conseguiu iniciar a sua carreira como cientista. Ao estudar o bicho da farinha, Nettie percebeu que as fêmeas possuíam dois cromossomas X enquanto os machos tinham um X e um Y, que fez com que percebesse que o sexo das espécies era determinado pelo macho e não pela fêmea e por fatores ambientais como era aceite até então. Apesar disto, ela nunca recebeu o devido reconhecimento pela descoberta e mais tarde, Thomas Hunt Morgan ganhou o prémio Nobel pela mesma descoberta.
Lise Meitner nasceu em 1878 em Viena, numa família judia. Apesar das dificuldades para entrar numa universidade por ser mulher, ela conseguiu estudar e se formou em Física. Lise descobriu, juntamente com Otto Hahn, como realizar o processo de fissão nuclear de elementos pesados, o principio da bomba atómica, mas o seu nome foi excluído do estudo e nunca foi reconhecido. Otto Hahn que acabou por ganhar o prémio Nobel com a descoberta, alegou que não colocou o nome da colega para a proteger por ela ser uma mulher judia na altura do nazismo, mas mesmo anos depois, Otto nunca chegou a dar-lhe o devido crédito nos seus trabalhos. Foi nomeada para o Prémio Nobel da Física e Química 48 vezes e nunca ganhou.
A britânica Rosalind Franklin nasceu em 1920, formou-se em Físico-Química, na Newham College, uma universidade exclusivamente feminina. O seu trabalho incidiu sobre o carvão mineral, a grafite, o ADN, o ARN e vírus. Rosalind trabalhou no laboratório de Maurice Wilkins e conduziu um estudo que registrou a estrutura do ADN e tirou a celebre ‘fotografia 51’e foi graças a este trabalho que se descobriu a dupla hélice da estrutura do ADN. No entanto, Wilkins ficou com todo o crédito da descoberta e Rosalind só foi devidamente reconhecida pela comunidade científica na década de 1960.
Jocelyn Bell Burnell nasceu em 1943 na Irlanda do Norte e sempre teve vontade de estudar e aprender. Estudou na Universidade de Glasgow e foi a responsável pela descoberta dos primeiros pulsares em 1967. O estudo foi premiado para um Prémio Nobel, mas Jocelyn não foi mencionada. Apenas em 2018, a cientista recebeu o devido crédito pela sua descoberta feita 50 anos antes ao receber o Prémio da Física Fundamental e usou o dinheiro (3 milhões de dólares) para criar bolsas de estudo destinadas a mulheres étnicas e refugiadas.
Svetlana Mojsov é uma cientista química jugoslava que é professora associada de pesquisa na Universidade Rockefeller. Ela ajudou a descobrir o peptideo-1 semelhante ao glucagon e descobriu o seu papel no metabolismo da glicose e na secreção de insulina revolucionando os medicamentos para a diabetes e obesidade mas o seu nome não foi indicado para o prémio International Gairdner do Canadá em 2021. O anúncio apenas referiu os 3 colegas cientistas que fizeram com ela as descobertas na década de 80. Agora Mojsov luta pela devido reconhecimento, pois ela também esteve nos primeiros estudos na década de 80 e publicou os primeiros artigos sobre o GLP-1. A cientista já teve que lutar durante anos para ter o seu nome em três patentes feitas sobre este estudo e também viu vários artigos publicados sobre estas descobertas sem ter o seu nome reconhecido.
Termino este artigo com o nosso exemplo português de uma cientista nossa que também foi esquecida pela ciência: Branca Edmée Marques, nasceu em1899. Dedicou parte da sua vida ao estudo do polónio e das aplicações terapêuticas dos radioisoóopos. Começou por dar aulas de Fisica e Química na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa em 1925, ainda não tinha acabado a sua licenciatura. Foi durante vários anos a única professora mulher a trabalhar no Laboratório de Química da Faculdade. Aos 32 anos foi para Paris fazer investigação nuclear e doutorou-se em ciências físicas com a nota mais alta. Em 1936, em Portugal, fundou o Laboratório de Radioquímica da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, mas foi apenas 30 anos depois que, em 1966, se tornou a primeira professora catedrática de Química em Portugal. No entanto, o nome dela ficou esquecido nas páginas da ciência e quase nunca foi reconhecido.
Estes são apenas alguns exemplos de cientistas mulheres que lutaram muito para ter o seu devido reconhecimento e, mesmo que algumas, tenham tido o devido reconhecimento anos mais tarde, há casos que isso nunca aconteceu. Esperemos que exemplos destes sejam cada vez menos e que a ciência e outras áreas sejam cada vez mais inclusivas.





