Turismo: De quem é a praia?
Jorge Coelho
2024-08-16Tive um professor de Sociologia do Turismo que um dia perguntou à minha turma se a praia era o lugar mais democrático do mundo. Não me recordo das respostas, mas creio que o objectivo dele foi alcançado. Fomentar o espírito crítico. Discutir o assunto. Pensar no que nos rodeia, sobre os sítios que frequentamos, quem os frequenta, que comportamentos são adoptados e se há regras a cumprir. Continua a ser uma discussão interessante, aplicável a outros locais e/ou espaços de interesse turístico.
Quanto à praia, não há dúvidas de que é um activo estratégico, preponderante no desenvolvimento de inúmeros destinos turísticos. O seu poder de atracção é tal que todos os anos, sobretudo no Verão, se registam números elevadíssimos no que à procura turística diz respeito. Actualmente todos vão à praia. Ricos, pobres e remediados.
Contudo, nem sempre foi assim. Em Portugal, inicialmente limitado a um grupo restrito da realeza e daqueles que tinham posses para o fazer, o acesso à praia só se difundiu entre outros grupos sociais na segunda metade do século XIX. Mas desde 1867, ano em que Cascais alcançou o estatuto de praia da corte, até aos dias de hoje, o referido acesso tornou-se bem mais democrático. Algo semelhante ter-se-á passado em todo o mundo. Como prova, a série “Hotel à Beira-Mar” diz-nos que sim, na Dinamarca. Ou seja, a praia nem sempre foi para todos. E, na verdade, Cascais também já não é o que era.
Mas, se praias há muitas, pessoas são ainda mais. E por isso, em conjunto, dão origem a inúmeras realidades.
Há praias públicas, felizmente a maioria. Há praias privadas. Há praias com areia fina, areia grossa e de cores diferentes. Às vezes, há demasiada areia na praia. E há praias sem areia, com pedras. Há praias com dunas. Há praias onde havia dunas. Há praias sequestradas e intimidadas pelo Homem. Há praias de difícil acesso, mais livres. Há praias pequenas e há praias grandes. Há praias fluviais. Há praias artificiais. Há praias para nudistas. Há praias que os cães podem frequentar. Há praias que não são para nudistas nem para cães. Há praias com bolas de Berlim. Com e sem creme. Há praias sem bolas de Berlim. Há praias onde muitos morreram. Há praias cheias de vida. Há praias com história. Há praias da nossa memória. Há praias em todo o mundo e há mundo em todas as praias.
Quanto às pessoas, há quem vá à praia para mergulhar. Há quem apenas molhe os pés. Há quem, tão só, vá sentir a maresia. Há quem leve farnel. Há quem vá ao restaurante ou ao snack-bar. Há quem leve guarda-sol. Há quem apenas queira o sol. Há quem vá à praia no Verão. Há quem vá no Inverno. Há quem alugue barraca. Há quem “dê barraca”. Há quem fale alto. Há quem prefira o silêncio. Há quem durma na praia. Há quem corra na praia. Há quem suje a praia. Há quem limpe a praia. Há quem faça topless. Há quem se incomode com o topless. Há regras para quem frequenta as praias. Há quem não cumpra as regras para quem frequenta as praias.
De facto, ir à praia pode parecer uma actividade simples, mas há um conjunto de regras a cumprir, definidas pela lei portuguesa. Levar animais? Só em praias que o permitam. Ouvir música? Pode ser, mas o melhor é usar-se auscultadores, porque desde 2012 a lei interdita a utilização de equipamentos sonoros e outras actividades que gerem ruído. Praticar actividades de carácter desportivo? Só em zonas definidas para tal. E ir à água? Sim, mas há sempre que respeitar a cor da bandeira hasteada e as indicações dos nadadores-salvadores.
Posto isto, se a praia é o lugar mais democrático do mundo, continuo sem saber. De quem é a praia? Importa que seja de todos e para todos.
Por fim, uma sugestão. O vídeo produzido para o tema “El Beach” dos franceses The Limiñanas, ilustra um pouco do mundo balnear de hoje.