SÃO GONÇALO - Solenidades em S. Paio de Vizela

Pedro Marques

2022-01-20


Uma vez mais trazemos até si, prezado leitor, a evocação de uma festividade religiosa muito concorrida como é a do S. Gonçalo em S. Paio de Vizela. Muito  concorrida e cuja solenidade o POVO de S. Paio de Vizela tem como a principal. Ou até mesmo única. E por isso a celebra com toda a grandiosidade possível.  Se santos ao pé da porta - como diz o nosso POVO - não fazem milagres, no caso de S. Gonçalo, tal axioma não se verifica. Mesmo sendo ele apenas “beato”. Ou seja, está ainda no primeiro patamar para chegar a “santo”.  Para ser classificado mesmo como “santo - que é o patamar seguinte ao de “beato”-  têm de se verificar determinados pressupostos, os quais, no caso de S. Gonçalo, ainda não foram dados a conhecer às competentes autoridades eclesiásticas. Seria uma oportunidade de o povo de S. Paio de Vizela onde S. Gonçalo foi abade; e do de Tagilde em cujo paço de Arriconha S. Gonçalo nasceu, diligenciar, junto da entidade eclesiástica competente, no sentido da canonização de S. Gonçalo. Com efeito, das muitas lendas  e milagres à mistura que há sobre tão invocado taumaturgo quer em S. Paio quer em Tagilde, conviria peneirar uns e outros, separando-se os factos das fantasias. E com base nos milagres, se requerer a sua adenda no processo para a sua canonização.
Visitando-se a capela de Arriconha, e espaço envolvente, em Tagilde; e visitando-se, em S. Paio, quer a fonte de S. Gonçalo, quer a Casa dos Moinhos, seja por tradição oral, seja também já com pequenas lápides afixadas em estelas ou muros, são abundantes as memórias dos milagres atribuídos a S. Gonçalo.
E é pena que já não exista a calçada que vinha da Casa dos Moinhos no sentido da igreja, em cuja uma das pedras ficou a marca do joelho de S. Gonçalo, segundo uns; ou do joelho do cavalo montado pelo santo segundo outros, quando o seu sobrinho abade o escorraçou, açulando-lhe os cães, na altura em que o santo regressava à sua residência, vindo da Terra Santa aonde catorze anos antes fora em peregrinação.
Relacionada com o S. Gonçalo, é emblemática a Casa do Bacunhal, à qual, um dia, o santo se dirigiu e na qual, e sem o reconhecer, houve pessoa caridosa que lhe deu algumas refeições numa tigelinha ou malga, cujo relevo em agradecimento, ficou gravado num penedo na propriedade da mesma casa. Ainda existirá esse penedo?
S. Gonçalo, se foi generoso milagreiro, também sobre S. Paio lançou maldições.  Destas, saiu ilesa a mencionada Casa do Bacunhal. Segundo a maldição, de nenhuma casa de S. Paio sairiam candidatos a padre. Todavia, de tal maldição ficara isenta a Casa do Bacunhal. E tanto assim que embora séculos depois – nove! - a Casa do Bacunhal foi a única a dar sacerdotes – o nosso saudoso amigo P. António e um seu irmão, falecido após aquele uns bons anos depois.
Se fôssemos pela narração das lendas, seria um nunca mais acabar de episódios, entre os quais o do arremesso da bengala, no sítio onde se levanta o tradicional pau da bandeira, e que levou S. Gonçalo até Amarante.
Fiquemo-nos, portanto, pelo ritual dos festejos que começam em cada 26 de Dezembro de cada ano, com o espectáculo aparatoso da erguida da bandeira. Num ritual de romaria. Dantes o pau da bandeira – da árvore mais alta e aprumada que houver na freguesia e cujo abate o seu proprietário não pode impedir sob pena de mais outra maldição -  era transportado em carro puxado por juntas de bois, desde o adro até ao Calvário, subindo a então acentuada e extensa calçada, com os eixos do carro a chiar bastante  e os bois a espumar-se do esforço  no  transporte.
Em jeito de romaria muito à moda do Minho, com o povo subindo, iam violas e cavaquinhos, bombos e ferrinhos e até castanholas, num convite à dança, com o momento “alto” e tão ansiado como é o da “erguida da bandeira”. Ritual este que é um espectáculo em si e que o povo gosta de admirar. 
Com efeito, há neste ritual perícia, audácia e perigo. A árvore é alta e pesa toneladas.  Já com o pé metido numa toca de fundura proporcional ao peso e à altura, é, depois, erguida a árvore,  sob hercúleo esforço humano, ajudado com escadas e cordas. Até ficar na vertical com as duas bandeiras, previamente pregadas no seu coruto, ou crista, a baloiçar ao vento. Até à festa do ano seguinte.
Erguido o pau da bandeira, há um mini-arraial, onde e a par dos “comes e bebes” à discrição e disposição, onde não podem faltar os tremoços nem os figos, dos instrumentos referidos saem maravilhosos sons das maravilhosas melodias minhotas. Quando este arraial-convívio acaba, já a noite desceu. E tudo quanto havia para comer e beber, também já se esgotou.
Se este é o primeiro ritual, outros se seguem: o da distribuição dos tremoços na quarta-feira anterior ao da solenidade, por todas as casas da freguesia. E até por individualidades ou entidades por quem aos mordomos da festa merece consideração.
Vem depois, no domingo da festa, pelas 13h00, o cortejo do pipo do vinho e do saco dos tremoços. Num cortejo, aberto, por vezes, por cavalos da GNR, seguindo-se uma fila indiana, a par, de pessoas trajadas ao jeito do folclore, o carro de bois também a chiar bastante nos eixos, os tocadores e cantadores, e depois o povo. Até ao largo ou recinto do adro. Chegado o cortejo aí, é oferecida ao padre da freguesia uma bandeja repleta de tremoços de onde ele trinca alguns; e uma grande infusa de vinho, de onde ele bebe um copo, sob o aplauso de todos.
Segue-se, na hora adequada, a grandiosa e imponente e extensa procissão com acompanhamento da banda de música. Com bastantes andores – de todos os santos da igreja. O do S. Gonçalo tem as vestes cravejadas de notas, dos dez aos cem euros, em cumprimento de promessas.
Muito! Muito mais há para descrever ou narrar sobre esta romaria tão procurada  e tão “sui generis” e à qual já dedicámos, em anos anteriores, páginas e páginas de textos, das muitas vezes em que acompanhámos, do primeiro ao último dia,  todo o ritual deste ex-libris de folclore  etnográfico religioso, testemunho bem eloquente da enorme devoção do POVO que à protecção do S. Gonçalo recorre.
Com o abraço amigo de sempre.