Pela hora da morte

Manuel Marques

2020-04-23


A Federação Portuguesa de Futebol (FPF) tem em agenda para a sua próxima reunião uma intervenção cirúrgica ao cadavérico Campeonato de Portugal (CP). As linhas são de fundo, mas no fundo visam pouco mais do que salvaguardar os interesses económicos deste opulento organismo, autêntico poço sem fundo.
A FPF quer saber de antemão quem tem dinheiro para ir a jogo na próxima época e quem não tiver racha cavacos. Pretende ainda que seja maior a aposta na formação. Amanhã vai dizer que esta ideia foi sua para ficar bem na fotografia, mas na verdade ela pertence ao Covid-19, invisível vírus que veio para revolucionar (também) o futebol de cima a abaixo obrigando muitos clubes, senão todos do CP mas não só, a olharem com mais atenção para o que têm dentro de portas, os seus jovens formandos, em lugar de cobiçarem a cama do vizinho.
Por estes dias pediram-me que intercedesse junto duma instituição de Misericórdia (de fora do concelho de Vizela) para acudir à família de um jogador sul americano a passar grandes dificuldades, fome até, cujo único rendimento do agregado familiar de quatro pessoas era apenas o do atleta que ficou a zero. 
O clube desse jogador fez e desfez o que lhe apeteceu, brincou com o sofrimento de treinadores, atletas e outros profissionais, enquanto a FPF comia sono à sombra da bananeira. Não era nada com ela. Felizmente esse atleta conseguiu alimentos e quem lhe pagasse a luz e a água. Mas quantos mais haverá na miséria oculta?
O anúncio de que a Federação pretende mudar dados essenciais no CP, numa altura em que ainda não sabe como vai descalçar a bota quanto às duas equipas a promover à II Liga e nem dá razão ao Vizela no famigerado caso do Apito Dourado tendo sem qualquer pudor recorrido duma decisão justa do Tribunal em favor do Vizela, parece bem-intencionado, mas daí à prática vai um grande passo.
A primeira grande medida que a FPF devia ter em relação ao Campeonato de Portugal era assumir alguma vergonha em organizar uma prova terceiro mundista como esta, descabida de qualquer competitividade e talvez única no mundo onde os campeões de série não sobem de divisão.
Sem decoro, tudo que a FPF anuncia para o Campeonato de Portugal cheira a cera queimada que não levará o defunto CP ao céu.

É só esperar (em isolamento) para ver.