
O SENHOR DA MÓ OU DOS AMPARADOS
Pedro Marques
2023-03-16Já neste “nosso” espaço do RVJornal deixámos a descrição geográfica precisa de onde fica a Travessa da Mó, nos últimos nossos trabalhos anteriores. Acrescentaremos ainda o pormenor de este sítio fica à direita, após a rotunda de Lousada, contornando-a no sentido de Felgueiras pela EN202-1, derivada da Rua de Felgueiras.
Posto isto, debrucemo-nos agora na descrição do “santuário” que por mera casualidade fomos encontrar na já várias vezes citada Travessa da Mó. Está num sítio discreto e que passa até despercebido, logo a seguir a um tanque. Porém, que algumas pessoas conhecem, a avaliar pela quantidade de esmolas que lá fomos encontrar. Pobres esmolas como pobres são de certeza as pessoas que tais esmolas deixaram: todas de um cêntimo; dois cêntimos; cinco cêntimos e algumas de dez cêntimos.
Este “santuário” é sobre a altura e bastante estreito rematado em telha canelada. E sobre ela, uma cruz. De pedra vulgar e da idade da construção do “santuário”, a avaliar pela patine de toda a estrutura. A porta de acesso ao seu interior quase ocupa todo o espaço da altura e largura. E é rematado, por sua vez, em formas suaves de um redondo recurvo tipo flecha e em cujo miolo, de madeira e em forma de meia circunferência e de cor verde, há ranhuras, no formato de bilros.
Por sua vez, a porta, de cor verde, também é de duas folhas. Com almofadas, sendo as da parte superior em crivo com travejamento cruzado na diagonal; e sendo em madeira maciça as da parte inferior. Quando tentámos a abertura, os gonzos ou dobradiças de fixação à parede estavam muito enferrujados. Mesmo assim, conseguimos abrir ambas as folhas. Há décadas, presumimos, que ninguém terá, entretanto, aberto estas portas.
Dentro, apoiado numa base de granito quadrangular, está uma cruz de madeira em cujos braços está desenhada, e pintada, a figura de Jesus Crucificado. Na haste, está o tronco do corpo de Jesus com o lençol do costume à volta da cintura. E sob os seus pés, um sobre o outro e cravados, estão o desenho de uma caveira e dois ossos em forma de xis onde os dentes são chamariz. E os dizeres “N. S dos Amparados”. O seu rosto é um rosto em paz. Mais de quem dorme que de quem está ferido de morte e de olhos fechados inclinados para o chão. Sobre a cabeça, de cabelos e coroa de espinho castanhos, as letras habituais de “J.N.R.J” num rolo de papel. Os joelhos deste Senhor estão a sangrar. Na haste horizontal, estão desenhados os braços, cujas mãos cravadas também sangram. Muito esticados e cravados nos extremos.
Na base, um de cada lado, estão dois solitários com flores brancas e “verdes” de plástico. E antes da base, outros dois, com flores espadanas de cor rosa e dálias da mesma cor. Têm anos estas flores ali.
Por sua vez, na base, no seu frontal está gravada uma data do levantamento deste “santuário”. De leitura muito difícil aquando da nossa visita, conseguindo-se perceber o baixo relevo dos algarismos um e oito, da esquerda para a direita. Portanto do ano de 1800 e tal, ano, aliás, que também consta na padieira da porta da casa, dos Azevedos, logo a seguir, onde se pode ler, com segurança, o ano de “1864”.
Porquê o levantamento, aqui, deste “santuário” sob a invocação do “Senhor dos Amparados”, quando a lógica deveria ser antes de o “Senhor dos Desamparados”?... Na nossa presunção, pensamos que pelos dois motivos: de alguém que, sentindo-se desamparado, pediu o auxílio do Senhor Crucificado e d’Ele tal amparo lhe veio. E por isso, então, dos “Amparados”.
Adiantamos, a título de informação que, não na região de Vizela, mas numa outra localidade das vinhas do Douro, há um outro “santuário” dedicado ao Senhor dos Amparados. É na localidade de Fontes, concelho de S.ta Marta de Penaguião.
Será uma devoção própria do tempo da Quaresma, durante a qual há também a devoção ao Senhor do Amparo e das “Lágrimas Amparadas”. De qualquer modo, uma devoção muito rara. Vizela pode congratular-se por também ter devotos no seu território e este “santuário” dedicado ao Senhor dos Amparados ou da Mó, na expressão das pessoas ali moradoras.
Com o abraço amigo de sempre.