Meias frases meias tintas

Manuel Marques

2023-11-16


Raúl Solnado (1929-2009) numa das suas rábulas contava que um português estava emigrado em França há dez anos e que nesse período nunca veio a Portugal. Entretanto a esposa, que estava em Portugal, engravidou cinco vezes.
O público ria. E depois de fazer uma pausa, o famoso comediante dizia: "Vocês estão-se a rir, mas é de malandrice. Estão a desconfiar da senhora porque o marido não vinha a Portugal há dez anos, mas ela foi lá a França cinco vezes ter com ele".
A graça da charada está em que há uma pausa na micro anedota e só depois vem o resto. 
Nas redes sociais o método é o mesmo, mas o efeito não é propriamente fazer rir. Pelo menos parece ser essa a ideia de quem escreve tanto dislate embora a larga maioria seja hilariante. Vejamos. Uns redigem: “É mandar a SAD embora, rua com ela”. Mas ficam por aqui, a meio. Não continuam escrevendo, por exemplo: “Se a SAD for embora vou eu para o lugar dela”. Outro iluminado escreve: “Este treinador é mau, rua”. Pausa. Mas não escreve: “Por que não me põe a mim a treinar sabendo eu mais do que ele?”
Outro: “Por que não vão buscar o jogador tal?” Aqui falta acrescentar: "Eu tenho no meu bolso um milhão de euros para lhe pagar”.
O Facebook tem essa vantagem das pausas. Fica a meio. Falta-lhe o essencial. Mas digo que é revigorante ler os comentários "facebokianos" das páginas desportivas ou "futeboleiras" sobretudo no fim dos jogos. Os doutorados em redes sociais levam tudo ao primor, ainda o caso não se deu e já têm preparadas as maiores tiradas.
Alapados no sofá ou no Café agarrados ao 'telelé', têm resposta e solução para tudo e na real não se pode contar com eles para nada. Vida fácil!
Há pouco tempo um treinador que apresentou a sua demissão dizia que os seus filhos e esposa pressionaram-no a sair do clube que treinava devido aos ataques que eram desferidos a todos eles nas redes sociais. (Guterres bem pede calma, mas a paz é muito cara). É a grande derrota de uns e a imerecida vitória de outros, a dos párias.
Ficamos incrédulos quando vemos páginas de Facebook geridas pelos clubes incapazes de bloquearem escrivas pródigos em difamar, atacar e achincalhar sem dó nem piedade os seus dirigentes e sobretudo os treinadores (os jogadores ficam quase sempre impunes, esses oferecem camisolas). Servem-se inclusive desses meios para organizarem batidas aos treinos da própria equipa. É como entrar pela nossa casa adentro e escaqueirarem a mobília toda. 
A tia de Raúl Solnado não queria que ele fosse para a Guerra Mundial de 1914 a 1918 com um cavalo cheio de moscas. Tantos anos depois, dá a entender que o problema continuam a ser as “moscas”. 
Não é fácil!