HISTÓRIAS … a propósito do cancro do cólon

João Cocharra

2022-09-29


Os tumores malignos do cólon e reto apresentam elevada incidência na população Portuguesa. Em Portugal representa o 3º cancro mais frequente e a 2ª causa de morte por cancro, sendo as regiões Litoral Norte e Centro do País aquelas com maior incidência destes tumores.
A idade é o fator de risco mais importante para o seu desenvolvimento. Embora possam surgir em qualquer idade, mais de 90% dos casos são diagnosticados em indivíduos com mais de 50 anos.

Sílvia é uma mulher de 37 anos, saudável, casada, 2 filhos. Recorreu à consulta toda vestida de preto, muito chorosa, de quem perdeu há dias a mãe… tinha 70 anos, há poucos meses, começou a notar que as fezes eram pretas… e estaria a perder o apetite e já se notavam alguns sinais de alguns quilos que teria emagrecido. Por vezes tinha diarreia e depois obstipação, que nunca valorizou – achava que era do que tinha comido anteriormente; teria de vez em quando umas dores de barriga, mas passavam logo e nunca foi ao médico por causa disso.
A mãe de Sílvia não pertence a este Centro de Saúde, o médico pediu analises, ECG, endoscopia e colonoscopia, tendo explicado à filha que aquela cor das fezes correspondia a perda de sangue no tubo digestivo, perdas de sangue pequenas, mas permanentes.
Tinha uma anemia grave, teria sido enviada para a urgência. Fez transfusões de sangue, TAC abdominal e colonoscopia, no hospital. Era um carcinoma do cólon, com metástases abdominais e outras que não soube precisar. Não foi operada (teriam dito que era muito grave), teria pouco tempo de vida… e assim foi… emagrecimento progressivo, acamou e faleceu, como o cirurgião previa. 
Chamaram os filhos ao hospital e o médico teria dito, que este tipo de tumor pode ter incidência familiar e que todos os filhos deveriam fazer uma colonoscopia (exame ao intestino).
É claro que perante esta informação nós, médicos de família, não hesitamos em pedir tal exame e assim fiz. A irmã de 33 ou 34 anos também é minha utente e disse para vir ter comigo para passar exames também para ela…
Passados alguns meses, aparecem as 2 irmãs com os respetivos exames e com os resultados histológicos: foram retirados à Sílvia dois pólipos que não apresentavam sinais de malignidade “pólipos hiperplásicos”; a irmã tinha 1 pólipo, que também foi removido “adenoma tubular com displasia de baixo grau”. Foi referido pela Sílvia que o irmão mais velho que tem quase 50 anos também fez o mesmo exame e já foi operado no IPO porque um pólipo era maligno. Os médicos no IPO disseram que era pequeno, ficou com uma colostomia (ficou a fazer as fezes para um saquinho), mas adiantou a irmã que era provisório… que dentro de alguns meses iria ser operado “para tirar o saquinho e fazer as fezes por ele”.
Escrevi no exame das duas irmãs que a colonoscopia deverá ser feita após 3 anos, ou antes, caso haja queixas que o justifiquem.

A maior parte dos cancros esporádicos desenvolvem-se a partir de pólipos (adenomas) e a sua remoção atempada altera a história natural da doença, impedindo a progressão de adenoma para carcinoma. Por esta razão, todas as pessoas sem história familiar ou outros fatores de risco para cancro do cólon ou reto, com idades entre os 50 anos e os 74 anos devem realizar exames de rastreio. Em Portugal este é realizado com recurso à pesquisa de sangue oculto nas fezes de 2 em 2 anos. Nos casos suspeitos é proposta a realização de uma colonoscopia, que permite a visualização direta de toda a mucosa, identificar e remover pólipos ou se identificar um carcinoma, biopsar a lesão para estudo histológico e estadiamento do tumor…

Classicamente o tratamento é cirúrgico, podendo ser em situações particulares, precedido de radio-quimioterapia. Atualmente com o desenvolvimento de novas técnicas é possível a excisão do tumor por via endolaparoscópica, que envolve a remoção de um pequeno disco da parede do intestino em vez de um segmento longo. Para as lesões localizadas no reto é em casos selecionados possível a sua remoção por via transanal com preservação do órgão, sem riscos da cirurgia radical.

O diagnóstico precoce é a única forma de melhorar a sobrevivência por cancro, por esse motivo não podemos negligenciar os sinais de alarme, que condicionam diagnósticos tardios e reduz consideravelmente as possibilidades de cura e sobrevivência.

Ah é verdade… a mãe da Sílvia de 70 anos, nunca teria feito nem pesquisa de sangue oculto nas fezes, nem colonoscopia de rastreio…