Ele há cada uma…

Cipriano Alves

2021-09-02


Imaginem que os EUA com uma das suas várias Armadas, que, em permanência, peregrinam pelos mares, no âmbito da visibilidade da sua estratégia de defesa ou como suporte da geopolítica dos seus interesses, decidia atacar Portugal. Tamanha potência e tão pequeno estado! Alguém acreditava? Claro que não, mas… O ano de 1975 que tinha decorrido, política, social e militarmente muito agitado, aproximava-se velozmente do seu términus.
Ao contrário, a nível internacional assistia-se a um prometedor apaziguamento da tensão entre os EUA e a URSS. Recorde-se e releve-se ainda que, em 25 de Novembro, tinham ocorrido acontecimentos que perigosamente quase levaram os Portugueses a uma guerra civil. De acordo com a opinião na altura corrente, o Secretário de Estado da Defesa Americano, Henry Kissinger chegara a advogar tal tragédia para que consubstanciasse o estatuto de vacina. 
De facto, enquanto no Norte, o Brigadeiro Pires Veloso após ter resolvido os graves problemas acontecidos no Regimento de Chaves, no Regimento de Artilharia da Serra do Pilar (RASP) e no Centro de Instrução de Condução Auto do Porto (CICAP) que até mandou encerrar, controlava a situação, em Lisboa Vasco Lourenço que havia assumido o Comando do Governo Militar de Lisboa, acompanhado por outros militares, procurava fazer outro tanto.
As divergências politico/militares e não só, entre o Norte e Lisboa eram sabidas e sentidas tendo, inclusivé, alguns oficiais da capital recolhido ao conforto e segurança da companhia de Pires Veloso. Nessa ocasião, chegaram a ser deslocadas três companhias para tentar acalmar a situação em Lisboa enquanto quarenta aviões T6 sobrevoaram as principais cidades do País e dois aviões T7 faziam debandar a multidão que cercava o Quartel de Setúbal.
Esclareça-se, que, estes últimos, estavam desarmados…. De salientar ainda a imposição do “Estado de Sítio” em Lisboa. Neste mesmo espaço temporal realizou-se no Porto, com enorme impacto político, uma grande manifestação de apoio ao Primeiro Ministro Almirante Pinheiro de Azevedo e o Regimento de Comandos, com o seu Coronel Comandante na dianteira, desfilava frente ao Hospital Militar do Porto em homenagem ao Brigadeiro Pires Veloso, na altura nele hospitalizado. Recorde-se ainda que, neste conturbado período, a emissão da RTP de Lisboa chegou a ser cortada, transferindo-se a mesma para as suas instalações do Porto. Estranhamente, as acções que o Norte e o seu Comandante Militar desenvolveram continuam a ser, muitas vezes, esquecidas, quando se estudam os acontecimentos que, muito mitigadamente, acabei de enunciar. Mas deixemos a História para os Historiadores e atentemos na narração, que hoje vos trago à colação.
Decorriam os finais do mês de Novembro, quando alguém com alguma liberdade de acesso a certos Órgãos do Comando da Região Militar do Norte, irrompe, agitado, transmitindo:
- “O Mestre de um pesqueiro de alto mar, regressado apressadamente a terra, alarmado, informou-me que vários navios de guerra americanos, se dirigiam para a costa portuguesa”.
Surpresos e sem tempo para ponderação foi-me determinado que telefonasse ao respectivo Comandante da Zona Marítima, informando-o do facto, e que, de imediato saísse para o mar com a lancha que lhe estava atribuída.
Espantado, reagiu questionando-me:“Sair com a lancha? Para quê?”
Estando ao meu lado e ouvindo a pergunta, o militar que havia dado esta ordem, gesticulando e em voz alta e determinada diz:“Quem é o marinheiro? Não sou eu, pois não? Ele que resolva…”
Se tomou alguma atitude, o que duvido, nada me foi posteriormente transmitido. Releve-se que a pressão das situações e a falta de tempo para melhor reflexão, levam, por vezes a reações que em momentos mais calmos se revelariam de aceitação impossível e sem qualquer credibilidade. Resta-me apenas desejar que este meu camarada da Marinha, se algum dia, em amena cavaqueira com amigos contar esta história e a adjectivar com palavras que não me atrevo a escrever, não se lembre do meu nome… Termino, como tantas vezes o fazia, o saudoso Fernando Pessa:“E esta hem?”.