LPCC: "Organização sólida e que faz um trabalho resiliente"

O Núcleo Regional do Norte da Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC) está a celebrar 60 anos de existência e desde 2003 que Vítor Veloso dirige a instituição. Esteve no Especial Informação e revelou que uma das metas deste mandato – o último em que estará ao leme do Núcleo – é a construção de um edifício na Boavista para apoiar os doentes.

A prevenção, não tem dúvidas Vítor Veloso, é “uma das grandes metas da Liga Portuguesa Contra o Cancro”. “A prevenção é fundamental para diminuirmos a mortalidade da doença oncológica” e há várias décadas que a educação para a saúde tem sido aposta junto das camadas mais jovens. “É por isso que temos protocolos com múltiplas escolas ao nível de todo o Norte do país, porque pensamos que é desde novo que se deve dar a conhecer tudo aquilo que é fundamental para um diagnóstico precoce, para a prevenção da doença oncológica, isto é relativamente fácil de apreender e não só aí, também os comportamentos de risco, para que os jovens não tenham esses comportamentos”. “Pensamos que os jovens são uns ótimos transmissores [da informação] aos seus amigos, à sua família”. “Isto não quer dizer que não tenhamos outro tipo de ações relativamente à população em geral, em empresas, em colaboração com Câmaras, ou outras associações”. “Costumo dizer que o Departamento de Educação para a Saúde é um dos mais importantes, embora não tenha uma visibilidade muito grande”, sublinha.

Há 25 anos que a LPCC é promotora de rastreios ao cancro da mama e esta tem sido também “uma das bandeiras”. O rastreio ao cancro da mama, afirma, “é reconhecido como sendo o melhor rastreio de todas as patologias que existem a nível nacional, mas também a nível internacional, na medida em que nós conseguimos atingir os índices de qualidade europeu e, consequentemente, nós somos um exemplo em relação a todos os outros rastreios”. “É um trabalho muito difícil, mas digo-lhe que tem sido um êxito, na medida em que nós atingimos índices nunca imagináveis”. “Às vezes conseguimos atingir 90% da adesão, o que numa média dá entre 70% a 80%, o que é um índice de qualidade a nível europeu”, destaca, enaltecendo ainda que em alguns dos casos tem sido possível detetar cancros da mama em fases iniciais. “Isso é muito importante, na medida em que tratar um cancro inicial é muito diferente do que tratar um cancro avançado”. “E um cancro já avançado tem um tratamento muito mais difícil, muito mais moroso e cuja taxa de cura não é tão grande e, por outro lado, a sobrevivência com qualidade de vida também é muito menor, portanto, a chave que deve ficar na cabeça de toda a gente é que é necessário fazer um diagnóstico precoce”.

A Entidade Reguladora de Saúde divulgou que cerca de 22% dos doentes oncológicos foram operados fora do prazo máximo definido por lei. A LPCC tem mostrado a sua preocupação: “Já é uma situação que tem muitos anos e, consequentemente, todos os atrasos que há em relação à referenciação, isto é, à chegada à especialidade, tudo aquilo que atrasa um diagnóstico, tudo aquilo que atrasa uma operação, uma terapia, são, efetivamente, entraves em relação à cura da doença oncológica. Neste momento, o Ministério da Saúde já tomou uma medida muito sensata que foi: todas as intervenções que estavam agendadas de oncologia foram realizadas. Portanto, nesse aspeto, a situação resolveu-se. Mas há, efetivamente, toda aquela situação que eu já referi que é protelarem a primeira consulta, protelarem depois o agendamento da consulta multidisciplinar e protelarem também o agendamento de consulta depois da cirurgia. Os tempos máximos aceitáveis são ultrapassados, o que para a doença oncológica não é bom”.

Nos últimos tempos, o Serviço Nacional de Saúde tem estado sob os holofotes, não pelas melhores razões e Vítor Veloso não esconde a sua apreensão. “Temos assistido nos últimos anos a uma decadência do Serviço Nacional de Saúde, o que é uma pena, na medida em que nós tínhamos um Serviço Nacional de Saúde ótimo e que se fosse bem realizado seria sem dúvida alguma uma mais-valia para toda a população”, assinalou.

A LPCC é também importante no apoio que dá à investigação na área oncológica. Para o presidente do Núcleo Regional do Norte, é com “grande satisfação” que é desenvolvido este trabalho, ainda que “com algum sacrifício económico”.  “Nós entendemos que devíamos auxiliar os jovens investigadores, porque no nosso país há cabeças fantásticas, mas não conseguem ter bolsas oficiais e depois, das duas uma, ou efetivamente vão para outro país, ou então esses jovens vão para outra profissão qualquer, que não tenha nada a ver com eles”. “Portanto, é a massa cinzenta que nós perdemos, e é por isso que nós destinamos uma quantia ainda avultada, cerca de 240 mil euros, para premiar e para dar bolsas aos jovens investigadores”. “No ano passado demos 16 bolsas”. “Sem investigação não há novos caminhos e sem novos horizontes também não há perspetivas de melhorias na cura”.

 

“Achamos que os doentes deveriam ser pagos [na baixa] a 100%”

 

Por proposta do professor doutor Francisco Gentil, a 4 de abril de 1941 foi fundada a LPCC, assente em dois princípios fundamentais: a humanização e a solidariedade. São princípios que ainda hoje são fundamentais na vossa missão? “São fundamentais, claro, porque o doente cada vez mais, infelizmente, não só a nível de Portugal, mas a nível do mundo, é tratado como o número e nós queremos que o doente seja tratado com dignidade e com humanização”, responde e acrescenta: “É por isso que temos um corpo de voluntariado; temos 450 voluntários a trabalhar no IPO do Porto, no sentido de darem a dignidade, de darem a humanização aos nossos doentes e dando-lhes conforto afetivo. Nós auxiliamos o doente e as famílias e temos, inclusivamente, consultas de Psico-oncologia gratuitas para os doentes e para toda a família”.

Um objetivo, diz-nos, é expandir o corpo de voluntariado a todos os hospitais do Norte. Na nossa área, os Hospitais de Guimarães e de Braga já estão cobertos.

A LPCC tem também intervenção nas áreas social, jurídica e até económica. “Temos dois milhões de portugueses que estão no limiar da pobreza e, consequentemente, quando há um doente que tem uma doença oncológica e vai para a baixa, essa baixa só é paga 75%, o que para nós é errado. Já transmitimos essa situação à tutela, à ministra, no sentido que achamos que os doentes deveriam ser pagos a 100%, porque muitas vezes é o único a ganhar e 25% é uma diferença muito grande num familiar que já vive com grandes dificuldades”. “Portanto, nós muitas vezes auxiliamos esses doentes, essas famílias, na eletricidade, na água, na renda, nos medicamentos, nos transportes também”. “As consultas de Psico-oncologia que prestamos são gratuitas também e também garantimos um apoio jurídico, o que é muito importante na medida em que muitas vezes os direitos do doente são completamente ultrapassados ou ignorados”. “Só no Norte do país, nós despendemos de 2 milhões e 600 mil euros nestes apoios diretos e indiretos, o que demonstra que temos feito muito pelo doente oncológico, mas ainda há muito mais a fazer”, reconhece.

Vítor Veloso também esclarece que o Núcleo Regional do Norte disponibiliza “alojamento a 72 doentes que estão em tratamento de ambulatório, isto é, não precisam de estar internados, mas moram em cidades, vilas ou aldeias longe dos centros onde são acompanhados, nomeadamente no IPO, e, consequentemente, para eles é ótimo, na medida em que têm um alojamento muito próximo do centro onde vão ser tratados e, portanto, têm transporte gratuito, têm comida também”.

E porque é importante para a LPCC apoiar os familiares dos doentes com cancro? Pela questão psicológica? “É fundamental para a questão psicológica, sem dúvida, mas muitas vezes também esses familiares ficam social e economicamente debilitados”, frisa.

 

“A população do Norte é extremamente generosa”

 

Para a missão da LPCC é preciso dinheiro e, nesse aspeto, o parceiro fundamental tem sido a população, admite o dirigente. “A população do Norte é extremamente generosa”, enalteceu. No arranque do mês realizou-se o peditório anual de rua da LPCC. Aquando da nossa entrevista, o balanço ainda não estava fechado, mas Vítor Veloso mostrava-se convicto que as verbas angariadas não ultrapassariam as do ano passado. “De qualquer modo, foi simpático e penso que vamos chegar aos mesmos números do ano passado, o que é bom, na medida que nós sabemos que o Norte tem sofrido muitas agruras, não só neste momento de desemprego, mas também temos de lembrar os incêndios do verão que, sem dúvida alguma, debilitaram económica, financeira e socialmente toda a nossa população. E não esquecer daquelas famílias que estão no limiar da pobreza”.

“Mas, de qualquer modo, os nossos principais parceiros, são, sem dúvida alguma, a população do Norte, que é extremamente generosa”. “Temos outros parceiros, obviamente, temos donativos, muitas vezes, anónimos, outras vezes, nominativos, e são muito importantes”, reconhece.

Também a comunidade promove caminhadas para angariação de fundos. Mais do que a vertente financeira, diz-nos Vítor Veloso, “é fundamental o contacto com a comunidade, mas também é importante porque contribuem para a sensibilização, para a educação e para o reconhecimento da Liga Portuguesa Contra o Cancro”. “Neste momento, posso dizer que grande parte dessas caminhadas são promovidas pela comunidade e dão apenas conhecimento à Liga, o que é saudável, portanto, vemos que o nome da Liga aparece nas cabeças das pessoas e que elas reconhecem que é um contributo que fazem para uma causa que é extremamente importante”.

O trabalho da LPCC já foi premiado, o que vem reconhecer a atividade da Liga. “Houve há alguns anos um estudo, de uma farmacêutica, no sentido de ver qual era a entidade que mais trabalhava relativamente à prevenção primária e 80% da população respondeu que era a Liga Portuguesa Contra o Cancro”. “Foi para nós uma satisfação e um reconhecimento do nosso trabalho”, considera.

O Núcleo Regional do Norte da LPCC completa 60 anos de existência e Vítor Veloso está na sua presidência desde 2003. Ao longo destes 21 anos muito mudou: “A Liga desse tempo não tem nada a ver com a Liga atual, em todos os aspetos a Liga teve um crescimento exponencial, não só no aspeto económico e financeiro, mas também naquilo que foi o apoio ao doente oncológico, aos seus familiares, também na educação para a saúde, conseguindo estender-se para todo o Norte do país, também apoiamos nos cuidados continuados em colaboração com o IPO - aquele edifício grande que está por trás do IPO é propriedade da Liga, mas cedemos dois andares para os cuidados continuados, que neste momento estão a cargo do IPO através de protocolo com a Liga”.

Mas os planos para o futuro são igualmente ambiciosos e Vítor Veloso, que garante estar a cumprir o seu último mandato à frente deste organismo, espera ver cumprido neste triénio um projeto importante: “Vamos iniciar a construção do edifício na Boavista, junto da Casa de Música [no Porto], onde vamos instalar 72 camas, todas com casa de banho, para doentes oncológicos, também em ambulatório, quer dizer, aqueles que só pernoitam ali para depois fazerem o tratamento durante o dia nos hospitais, onde também teremos um centro de recuperação funcional com piscina, com ginásio, onde teremos também um auditório, teremos uma pequena loja, enfim, tentamos dar visibilidade e dar apoio aos doentes. É o projeto do triénio, felizmente já temos um projeto na Câmara [do Porto] e esperamos que ele seja aprovado e, portanto, depois é construir”.

“É um projeto de milhões de euros, por isso é que nós estivemos a amealhar algum dinheiro para que isto fosse para a frente, no entanto, temos a certeza que a população do Norte, se nós precisarmos, nos ajudará a construir e a acabar esse projeto, pois, sem dúvida alguma, é extremamente importante para toda a população”, salienta.

E depois de terminada essa obra, “haverá outros voos, mas já não são para mim”, refere Vítor Veloso, que salienta também a intenção de a LPCC construir outro polo em Matosinhos.

A LPCC é um exemplo de que a união faz a força? “Indiscutível, não tenho dúvidas nenhumas”. “É uma organização forte, sólida e que faz um trabalho, quanto a nós, muito visível e muito resiliente e cada vez mais evidente no apoio ao doente oncológico e em todas as outras vertentes que já falámos aqui”. “A direção, os colaboradores, também a população, porque sem a população nós não fazemos nada, temos de ter a comunidade ao nosso lado”, conclui Vítor Veloso.

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