“A Rádio Vizela nunca teve um preço"

Carlos Martins é o presidente da Assembleia-Geral da Rádio Vizela. Nesta data lembra que este projeto de comunicação de proximidade nunca teve a sua “existência facilitada” e que a sua criação muito se deve à resiliência de quem acreditou na sua validade. Passaram-se 35 anos mas a resiliência continua a ser a palavra de ordem, até porque, “a cooperativa mantém a sua vontade de caminhar pelos seus meios, pela capacidade de criar os valores, com recurso às suas valências, de forma a não ficar cativa de qualquer limite ou obstáculo, que reduza a sua análise crítica e distanciamento de interesses”.

Trinta e cinco anos de Rádio Vizela não é apenas um número. É também, para si, uma história de amor?

 A esta data, é uma história com 35 anos, mas que foi preparada para durar muito mais, assim o queiram quem participa na produção de um sonho transformado em realidade. Muitas vontades e melhores capacidades, contribuíram para que a Rádio Vizela conseguisse chegar até este ponto. Cada qual com maiores ou menores ações, mas todos imbuídos de um sentimento de respeito pela instituição, que foi capaz de agregar muitos projetos e concretizá-los.

O amor à causa terá sido uma espécie de camisola. Esta, ao ser vestida, serviu de elo, de uma corrente muito forte, que ainda perdura, já com condições de continuar a ser o destino de quantos acreditam nas suas capacidades, em favor de um sentimento.

 

Para quem acompanha a Rádio Vizela desde os seus primeiros anos de atividade, o que significa ver esta estação emissora atingir a idade adulta?

Nunca será de esquecer que é uma Rádio que foi construída contra a corrente. Que nunca teve a sua existência facilitada e deve muito à resiliência de quem acreditou na sua validade existencial, mas também a quem foi capaz de ajudar, seja a nível técnico, programas, comercial e uma soma de atitudes individuais convertidas em gestos coletivos.

Para atingir esta idade, a Rádio Vizela teve que dar passos importantes e arranjar formas de trabalho, que lhe deram consistência. No entanto, há sempre que dar uma palavra a quem acreditou e foi capaz de acrescentar valor a diversas vertentes de colaboração.

Será injusto distinguir nomes, mas aos fundadores da Rádio Vizela e aos primeiros colaboradores é devido um respeito enorme, pela entrega ao sonho, que tiveram engenho de construir.

Soube a Rádio Vizela vivenciar todos as fases da sua vida, criando alicerces para que hoje possa continuar a fazer o seu caminho?

De uma forma mais sustentada ou com recurso a improviso, a Rádio Vizela contou com muita e boa gente, que acreditou. Nada se faz sem momentos melhores ou menos bons, mas os sinais positivos davam razão à crença de que era possível. Com os episódios menos agradáveis, todos aprenderam que esse não seria o caminho e refizeram os modos e a aplicação de projetos. O resultado, a este momento, pode ser considerado muito bom, principalmente para uma rádio a quem destinavam pouco tempo de duração.

Na Rádio Vizela, o Carlos Martins já assumiu vários papéis, desde jornalista a diretor de Programas. Foi também o primeiro diretor do RVJornal e presidente da Direção, em mandatos e épocas diferentes. É hoje presidente da Assembleia-Geral. Qual foi o papel mais difícil de todos?

Todos e nenhum. Num projeto coletivo, não cabem valorizações individuais, pelo menos na minha modesta opinião.

Em todas as tarefas em que estive envolvido, tive e tenho a sorte de estar rodeado de pessoas que acreditam e colocam a sua resiliência a favor da instituição. Como disse já, nem tudo foram rosas, mas também a existência de espinhos permite-nos perceber os graus de interesses e a soma de tudo, para mim, é muito elevada e a Rádio, seja como estação emissora, mas integrada numa cooperativa, com várias valências, aprendeu, cresceu e mostrou que o trabalho em equipa tem funcionado. Quero aproveitar, para agradecer a quem me ajudou a desempenhar as funções identificadas, pois sem as opiniões e os gestos de quem me acompanhou, nada seria possível. Uma associação não deve falar como um “eu”, mas sempre como um “nós”.

Qual é hoje o papel do presidente da Assembleia-Geral da Rádio Vizela?

Estar próximo dos demais Órgãos Sociais e da equipa de trabalho. Perceber, em especial neste estado de pandemia, que os cuidados têm que ser maiores, pois a cooperativa precisa de consistência nas suas tarefas, para não prejudicar os seus princípios básicos; de isenção e imparcialidade, ligados a uma base laboral, que lhe permite criar as receitas que a mantenham no seu nível de independência.

A Rádio Vizela foi sempre uma estação que investiu na informação? Porquê?

Porque uma comunidade bem informada percebe melhor o caminho a percorrer. Uma comunidade que acredite no que é dito, está a construir pilares, que servem de base a um futuro mais entendido. E é fundamental que os direitos, mas também as obrigações, estejam integrados em cada ser humano, porque as nossas liberdades devem sempre terminar quando começam as liberdades dos outros.

Mais recentemente, em 2016, a Cooperativa investiu na aquisição e remodelação das suas infraestruturas. Houve sempre vontade de dignificar o património material e dar melhores condições de trabalho à equipa que permite que a rádio emita 24 horas por dia?

 Não é só a dignidade da Rádio Vizela, mas todas as valências da cooperativa, que dá existência à rádio, mas também ao jornal, às plataformas de comunicação, dos novos canais.

O desenvolvimento de soluções, com criação de espaços dignos e bem apetrechados dão valor aos participantes no processo, criando as melhores condições de trabalho, para que as tarefas sejam concretizadas e realizadas com mais profissionalismo.

Por outro lado, um grupo começa a entender-se quando a sua casa de família tem o conforto capaz de o entusiasmar. E assim, o cuidado que se pretende obter, cria um orgulho maior para quem está, dia a dia, a colaborar em instalações dignas, para além de um sentimento de que os objetivos podem e devem ser procurados e atingidos.

A instituição nunca foi o rosto de uma pessoa só mas antes de um coletivo que “briga” e se apaixona diariamente por um projeto único de comunicação de proximidade. Concorda com esta descrição?

Sempre acreditei que a força de um grupo, com a soma de todos os contributos individuais, acaba sempre por fazer valer essa forma de comportamento. O resultado de um conjunto tem uma transparência, uma lealdade, que permite construir uma corrente, em que cada elo é mais forte e todos ganham. Pode haver quem se distinga, mas a humildade, o pequeno gesto não pode ser esquecido, tal a sua importância a qualquer momento.

Este coletivo dá corpo a uma equipa também ela renovada no espírito, porque o mundo atual exige atualização permanente. A Rádio Vizela tem consigo adaptar-se às novas formas de comunicar com o seu público?

A tarefa é árdua e desgastante. Felizmente, os colaboradores da Rádio, em todas as suas vertentes, têm sido de uma dedicação exemplar. Neste momento, depois de tantos meses de notícias desagradáveis, é tempo de dar um voto de coragem a quem foi capaz de resistir, a quem quis fazer parte, como se diz; a arregaçar as mangas e a desenvolver novos comportamentos, de forma a honrar os anos passados, em que a instituição teve que ser o ponto de encontro, tornando-o no melhor porto de abrigo possível.

Em suma, a Rádio Vizela tem sabido ocupar o seu lugar?

A Rádio Vizela, como nome mais apreendido, não consegue escapar a uma viagem; tipo montanha-russa, em que é inocente e culpada de muitos acontecimentos. Faz coisas bem feitas, mas também acaba por ser envolvida em caminhos menos claros, não por culpa própria, mas porque é chamada a intervir em projetos individuais e coletivos, alguns com interesses nada saudáveis e que definem linhas de conduta que prejudicam o interesse público.

Mas o tempo acaba por demonstrar que os erros, ou pecados individuais, não tiram o valor a uma instituição que mantém a sua verticalidade, apesar de muitas armadilhas que já foram instaladas. Algumas terão sido ativadas e os intervenientes podem mostrar as marcas desse momento, mas a Rádio Vizela ainda tem uma imagem, que não desvirtua as razões da sua fundação.

Por onde passará o seu futuro?

Principalmente, por ser fiel aos seus princípios e à sua história. Os exemplos são muitos e podem ser vistos de forma positiva ou negativa. A base é consistente, a aprendizagem das virtudes e dos erros é uma lição de vida, que serve de conduta a quem faz parte do projeto por dentro. A história ainda é contada por muitos dos seus fundadores e as tarefas são feitas por quem sabe a razão da sua existência, da força que a trouxe até aqui e que este passado honroso é sempre uma certeza de que a força dos seus é de nível elevado, permitindo quer o futuro possa acontecer, se a instituição for fiel a todos, tenham tarefas internas ou sejam parceiros no que virá. O que o futuro reserva é uma base de adaptação aos tempos, que é sempre possível acontecer, tal a agilidade da estrutura e de quem dela faz parte.

Mas já se antevê que o caminho a fazer seja de alguma dureza e dificuldade, porque no mundo da comunicação social local nada é dado por adquirido e tudo é conseguido com muito esforço. É um processo que exige automotivação e muita resiliência?

Exige que cada participante saiba do que tem de fazer e admitir que, seja muito ou pouco, é importante. Mas, também, tenha a dignidade de entender que as diferenças são limitações que acrescentem valor, a qualquer momento e não quando se pretende. A motivação é fundamental, sempre o foi e é uma conduta basilar, para que o resultado possa aparecer. Só assim, é aceitável entender que uma estrutura profissional, como é a Cooperativa da Rádio Vizela, tem pessoas a ser remuneradas, para executarem as suas tarefas, que convivem com estruturas dirigentes que nada recebem. Todos se sentem motivados a continuar dessa forma, sem porem em causa a unidade do grupo, apesar de nada compensar as muitas horas de dedicação a esta instituição, não medindo o empenho em valor.

O nome da Rádio Vizela acaba por ser limitativo do ponto de vista da comercialização de publicidade porque, embora seja evidente, muitas vezes é difícil provar que esta é uma rádio de uma região, ouvida em vários concelhos limítrofes…

Em boa verdade estamos perante uma instituição que já não tem as barreiras do território, pois a Rádio Vizela emite em todo o mundo e o RVJornal tem leitores em várias zonas geográficas. E esse é um valor seguro, que minimiza o fator do nome, mas que tem conseguido estar presente e intervir em muitas regiões. O nome deixou de ter a limitação territorial, também, a partir do momento da sua legalização. A Rádio Vizela foi legalizada no concelho de Lousada mas consegue ter ouvintes e estabelecer parcerias que aceitam o nome por terem a certeza de que estão perante uma rádio que tem mercado e é um veículo de transmissão de sentimentos, de informação credível e que as suas valências estão ao serviço do bem comum. Com a atitude mantida e com a demonstração do seu caráter, a Rádio Vizela consegue estar de bem com todos os que queiram encarar os valores, na sua vertente de qualidade e acompanhar a notícia, o entretenimento e participar na vida de várias comunidades

Como é que olha para o desaparecimento gradual de rádios de cariz local e que, por sua vez, têm dado lugar a rádios pertencentes a grupos nacionais e que acabam por não representar a proximidade caraterística do setor?

Na verdade, desapareceram quando quiseram copiar modelos de rádios nacionais. Felizmente, a Rádio Vizela manteve-se fiel aos seus princípios e o tempo vai mostrando que a opção foi a mais correta.

Ao longo da sua história, a cooperativa recebeu propostas de venda do alvará de emissão. Os números foram conhecidos, mas a Rádio Vizela nunca teve um preço, a não ser a sua vontade em fazer um caminho correto e cumprir com as suas obrigações. O comportamento da Rádio Vizela, no seu todo, prossegue a sua missão principal, de divulgação dos valores locais, contribuindo para a sua dinamização, de forma a que estas se sintam válidas e apoiadas.

Considera que no futuro possa vir a existir a necessidade de ser repensado o modelo de financiamento dos projetos de comunicação social de âmbito local?

A seu tempo, é um assunto a acompanhar. A cooperativa mantém a sua vontade de caminhar pelos seus meios, pela capacidade de criar os valores, com recurso às suas valências, de forma a não ficar cativa de qualquer limite ou obstáculo, que reduza a sua análise crítica e distanciamento de interesses. Os financiamentos públicos podem criar uma dependência, que potencia ações benevolentes. Não acho que seja um caminho saudável e que possa fomentar a criatividade, a resiliência, a motivação e a vontade de mostrar capacidade. 

Em dezembro de 2019, a Rádio Vizela enfrentou um processo eleitoral, que envolveu a apresentação de duas listas. Aconteceu pela primeira vez na história da Cooperativa. A divisão terminou no dia das eleições? Hoje a Cooperativa é representada por uma só equipa unida na missão de criar condições para que ela perdure no tempo?

Foi mais uma experiência vivida. Dentro do permitido pelos estatutos da cooperativa e dando expressão à democracia existente, pela primeira vez, candidataram-se duas listas. Foi um momento de grandeza para a cooperativa, pois permitiu a envolvência de tos os cooperadores individuais e coletivos. Terminada a votação, voltamos a acreditar no trabalho de conjunto e a manutenção da mesma vontade férrea de defesa do caminho a percorrer.

Do rádio de família ao pequeno transístor, ao rádio do carro, na televisão, no computador ou no telemóvel, a rádio continua a ser o sistema de difusão mais usado em todo o mundo, sendo uma das formas mais rápidas de chegar aos cidadãos, permitindo uma interação e partilha através da música, da divulgação de notícias e informações vitais a comunidades em risco, da promoção do conhecimento e da aposta em fóruns de ouvintes, assumindo, assim, duas funções sociais: a de entretenimento e a de informação. Consegue imaginar a região e Vizela sem a sua rádio? Consegue imaginar-se a ter de lidar com esse “silêncio”?

Esta pergunta deve ser feita aos ouvintes da rádio e leitores do jornal. É preciso estar sempre atento, mas 35 anos depois, o carinho continua e o projeto não perdeu validade.

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