Uma caminhada pelas ex-quintas de Santa Eulália

Pedro Marques

2019-06-06


Cansado? Sim! Mas reconfortado!... Já lá iremos.
Nas memórias que temos em arquivo, ao recordar algumas delas, elas ainda são do tempo das quintas quanto eram cultivadas e trabalhadas. Como suor do rosto e por mãos calejadas. Mas também com amor! Nesse tempo, as quintas eram jardins. E também as quintas de Sta Eulália, então de Barrosas já que depois deixou de o ser devido a uma lei criada na Assembleia da República e proposta por um deputado,  no âmbito da cor política que no hemiciclo representava.
E tocou-nos a nós, então, estar presente em representação da Câmara de Vizela quando essa lei foi aprovada e que e quanto a nós, encurtou e empobreceu a identidade de Sta Eulália que fora sempre “de Barrosas”. A partir daí, ficou, desde então e no nosso entender,  desenraizada  da identidade da sua região comum a Sto Estêvão e Idães, que formavam o telúrico chão de Barrosas.
Há trinta e dois anos, quando andámos caminhando pelos campos das quintas de Sta Eulália desde Rielhe até Pias de Cima e mesmo até ao adro da igreja de Sto Estêvão de Barrosas, se na subida éramos olhado com desconfiança e curiosidade, acompanhados da nossa cadelita Rucas, à vinda embora e nas visitas seguintes éramos já saudados com amizade. E como já nesse tempo íamos prevenido sempre com máquina fotográfica, papel e caneta, íamos guardando apontamentos e tirando fotografias, das quais, na semana seguinte, nós oferecíamos uma às pessoas fotografadas. E passámos, para alguns, a ser o “homem das fotografias”.  
Assim comentada expressão, trinta anos depois, por uma senhora sentada num dos bancos do adro da igreja de Sta Eulália “Olha ali o snr. das fotografias!”. Então quando essa fotografia tirámos, era essa senhora uma miudita aí dos seus treze anos, a cavar com uma enxada um dos campos – cremos que da quinta de Rebordelo de Baixo. E temos uma em nosso poder.
Ora estas nossas caminhadas pelos campos das quintas de Sta Eulália abriram-nos as portas à consideração dessas pessoas do campo e algumas vezes até nos honraram com o convite para que lanchássemos com eles. E isso fizemos algumas vezes. Bons tempos, que registámos nas páginas dos nossos diários e em fotografias. E de Sta Eulália, alguns artigos escrevemos no defunto “Notícias de Vizela”. Em livro, isso iremos registar, um dia, com ilustrações de fotografia. 
Se então andávamos à procura de moinhos de água nas linhas de água e regatos e ribeiros de Sta Eulália, desde Janeiro deste ano que vimos fazendo precisamente o mesmo. E assim, nestes últimos tempos, temos andado de novo pelos campos que restam do que foram as quintas, onde o pão deixou de ser semeado bem como o centeio e o feijão. E nesse tempo, eram já muito poucos os moinhos que ainda moíam. Depois, nas parcelas de terreno que fizeram parte das quintas, entretanto desmanteladas, nasceram prédios a seguir a prédios e ruas a seguir a ruas. E até a água das levadas e da ribeira de Sá passou a deslizar no seu leito mais solitária e triste, já sem os seus moinhos. E onde as cachoeiras cantavam de alegria com o rodar dos rodízios dos moinhos, hoje choram de tristeza.
Ora, no agendamento das caminhadas da iniciativa da Junta de Freguesia de Sta Eulália que têm vindo a ser realizadas para deste modo lúdico se dar a conhecer a riqueza patrimonial física e a riqueza imaterial de tradições, uso e costumes da vila e arredores, houve a caminhada pelo que foram as quintas de Sta Eulália num passado ainda bem recente, em que também passámos a participar. 
No dia primeiro do passado mês de Maio, e partindo-se do largo do Cruzeiro depois de uma evocação ao “Dia do Trabalhador”, lá fomos pela Formigosa, Quintã, Carreira e Rompecias além de outras localidades. Pelo caminho, por vezes sem caminhos nem carreiros, aconteceu o imprevisto de termos saltado poças de água e calcado o chão de lameiros e encharcado os sapatos.  
De vez em quando, e campos adentro onde houve a cultura de milho e centeio e forragens  para gado, havia breve paragem para as infirmações adequadas  e  que íamos seguindo com muita atenção. Desta vez escutando o que o nosso companheiro e amigo António Carneiro nos ia revelando da sua experiência de agricultor no tempo dessas quintas. E mais além, de pessoas que trabalharam nessas quintas.
Já em Pias de Baixo e depois de uma extensa caminhada onde nos surgiu até sinalética sobre os “Caminhos de Santiago” num local impensável, e depois de travessarmos frágil e baloiçante pontãozinho de pinguela, ao lado de um moinho desactivado, parámos para descansar.  E aí, na eira, relaxámos um pouco e tivemos tempo e oportunidade de recordar alguns dos episódios de caminhadas nossas de há trinta e dois anos e compará-los com a caminhada que estávamos fazendo. Entretanto, aconteceu-nos uma surpresa: caldo de couves, pão e vinho branco. Depois de uma boa caminhada até aqui, soube-nos este bocadinho de repouso com o reconforto deste lanche.
No regresso e atravessando o regato que vem de Barrosas sobre o tal pontãozinho baloiçante de madeira, onde apenas se podia passar aos pares para ele não arriar e nos atirar à água que até nem daria para afogar um gato, foi o nosso regresso por outros carreiros, atravessando um mini-bosque de carvalhos. Se há um mês atrás já temíamos que tão lindo mini-bosque viria a ser agredido, assim já estava acontecendo: logo após a junção dos regatos de Barrosas com o de Lustosa começando aí o ribeiro de Sá, estava já em curso o primeiro desbaste. E onde já na desoladora clareira aí aberta, o sol em vez já refrescar  sítio assim tão aprazível, vai é trazer a aridez onde desde sempre houve sombra e frescura tão benfazeja no verão. E vai ser mais um “paraíso” sacrificado. Ou para o   eucalipto ali já próximo, ou para construção. E vamos ter de voltar a ouvir o nosso requiem por mais esta morte de floresta. O primeiro, há mais de trinta anos, foi nos arredores de Rielhe.  Aqui, felizmente até para bem melhor. O segundo requiem será por este desbaste. É pena. O dinheiro é o deus a quem actualmente se adora como deus absoluto. A preocupação pelo ambiente sadio necessário ficará para depois.
Nesta caminhada, tivemos outras oportunidades de relacionamento com mais pessoas com as quais nos foi agradável conversar até ao nosso regresso ao Largo do Cruzeiro de onde havíamos saído. E mais enriquecido em termos de convívio e camaradagem e onde nos foi sendo possível entrar na psicologia de algumas pessoas, o que também foi incentivador.
Como esta caminhada teve como objectivo conhecer sítios do que foram quintas de Sta Eulália embora tivéssemos passado por alguns, não nos referimos aos moinhos. Isso ficará para uma outra oportunidade.
Cansado? Certamente. Porém mais enriquecido. E, fruto desta caminhada, até já nasceu um livro de poemas de uma caminheira de Sta Eulália.