Senhora da Lapa (I)

Pedro Marques

2018-07-26


Irá para umas três semanas, tivemos de passar pela Senhora da Lapa. E aproveitámos para trazer connosco a patente da nossa inscrição como associado (leia-se “irmão” de confraria) da “Associação de Nossa Senhora da Lapa”. O nosso pedido de inscrição tinha sido feito já há uns tempos e tínhamos sido informados de que o mesmo tinha sido aceite. A nossa e a da minha esposa. E assim, quando lá passamos as “patentes” (diplomas) trouxemos connosco, depois de ter sido feito o pagamento da respectiva joia, cujo montante ficou ao critério da nossa generosidade, à qual procurámos corresponder. E com as nossas quotas pagas até 2023.  –”E se, entretanto, nós morrermos – perguntámos - como irão lembrar-se de nós nas  orações no santuário da Senhora da Lapa?... Foi-nos então respondido – “Pense antes em viver! No entanto, como todos teremos de morrer e quanto mais tarde melhor, nós sabemos sempre  quando um associado se despede deste mundo”…
São muitos os motivos que pessoalmente nos levaram à Senhora da Lapa nas quatro vezes em que já lá fomos. Duas vezes com a minha esposa; outras duas, apenas a nossa pessoa, integrado em excursões. E nestas duas das excursões, foi-nos proporcionado tocar órgão e ter sido feita por nós a animação coral da respectiva Eucaristia. A primeira vez, com “voluntárias” de Tagilde; a segunda, com o seu “grupo coral”. E se fomos quatro vezes, pelo menos outras quatro vezes gostaríamos de lá voltar. 
Nós, por natureza, somos uma pessoa que se agarra muito ao chão que se identifique com a nossa maneira de ser. Há quem goste do movimento das cidades. Há quem goste do bulício das pessoas em multidões. No ruído. Nos arraiais. Na euforia da comunicação do momento onde se arranja mais amigos que as multidões. Mas que, passada a euforia, parece que foi vento que varreu a moinha da eira: tudo se foi. Este, decididamente, não é o nosso habitat.
Há tempos – cremos que foi na apresentação do nosso livro de “Compositor Chicória – testemunhos biográficos” – na nossa intervenção, lembramo-nos de termos feito estas duas afirmações:  de “que somos rico em generosidade”; e de que Arouca – terra da minha esposa e de dois dos nossos filhos e onde fomos funcionário público de Justiça no tribunal de lá – é a terra a cujo chão ficámos agarrado e onde gostaríamos de ser sepultado. Pela sua corografia granítica e montanhosa de serras após serras na distância de lá do cimo da Freita ou da Senhora da Mó. De onde se vêem as “Terras do Demo”, as quais, aliás, se começam a configurar desde a Senhora da Mó e serras de Arade e Gralheira. E por onde Aquilino Ribeiro andou também. 
Todavia, logo após a encosta da Freita, é todo um acidentado granítico a dominar a paisagem envolvente. De rochas nuas e amontoadas umas sobre as outras. Em gritos de solidão de “ossadas nuas da serra” na expressão de Herculano. Uma paisagem que agride e repele, mas em simultâneo suplica e enternece. E sempre que vamos a Arouca, é esta parte áspera da serra para os lados da Farrapa e de Chave que puxa pelos nossos olhos e tranquiliza o íntimo irrequieto da nossa sensibilidade que se completa na imaterialidade do Espírito com o húmus da terra.
Somos, portanto, uma pessoa contemplativa que gosta da linguagem telúrica do “seu” chão que, parafraseando Fernando Pessoa em “a minha Pátria é a minha língua”, a nossa pátria se identifica e completa com o chão que pisamos. Que não é qualquer um. Mas de onde nos sintamos emergir como quando saímos do ventre da nossa mãe e como quando a planta – rasteira ou árvore onde os pássaros fazem ninho - do chão brota e cresce para o Alto. E quando este Alto atinge a longitude do horizonte e desce e no sol poente se une ao mar na fímbria do matiz das cores em feixes de luz, a nossa natureza de pessoa sente-se completa e realizada.
Isto a propósito da nossa identificação com o chão que pisamos. Que não é todo igual e tem a sua linguagem própria. Já escrevemos isto e não nos importamos de nos repetirmos: o nosso padrinho foi um iluminado quando na pia do baptismo nos deu o nome  de Pedro - rocha; rochedo; penedo; lapa. Granito duro, rijo. E sentimos que temos esta aspereza. E firmeza. E força e solidez da rocha nas nossas ideias. E neste chão granítico nos movemos, respiramos e nos alimentamos. Do corpo ao Espírito somos do cosmos. Logo, de Deus. E somos, de arrasto, água, terra, ar e fogo.
Como sempre leitor amigo, derivamos do tema que nos traz até junto de si. Mas não fugimos da essência dele: A Senhora da Lapa, está no pináculo da serra. Cheio de lapas. Enormes e extensos penedos a brotar do chão onde a rocha impera de modo imponente. Ajoelhada aos pés de três cruzes de um calvário erguido na solidão, numa reverência de súplica ao céu e adoração a Deus.
Foi preciso ir-se tão longe para se sentir este apelo telúrico?... Não. Já na nossa juventude foi a montanha do Sameiro, no que ela tem de granítico e de oração.  Com a Falperra ao lado. Foi, depois, a serra da Freita do cimo da Senhora da Mó e do planalto da Senhora da Lage com as suas as escarpas rochosas como hall de entrada. Foi a montanha de S.  Bento a explodir de tanta penedia numa tão bela arquitectura de silêncio monacal, aqui sobre nós. E foi o santuário da Senhora da Lapa. Cada um destes locais com o seu carisma próprio. A mão forma-se na união dos seus cinco dedos todos diferentes e todos à volta da sua “palma”. Numa família, de filhos dos mesmos pais, todos eles são iguais na sua natureza mas diferentes na sua individualidade. Nós, como “rocha” que somos, nesta nossa estrutura de FÉ, nestes espaços nos sentimos unido e nos movemos e o seu pneuma respiramos. E neles, na voz do silêncio, o Espírito nos interpela. De modo especial, em sítios assim, o Espírito quase se materializa e nele nos plasmamos. E o silêncio sabe-nos a sinfonia de anjos por entre as nuvens do espaço. E fica-nos a dúvida: se fomos nós que se tornou Espírito, ou se foi o Espírito que encarnou em nós.
Amigo leitor, isto foi quase um introito ao que iremos partilhar consigo sobre a serra da Lapa e o santuário à Sua Senhora. Mas não iremos preocupar-nos com a carcaça do sardão ou crocodilo que, entretanto, do Santuário foi transferida para o museu. Para nós, todos os locais referidos são locais privilegiados para se ouvir a mensagem de Deus. E quando já no regresso, ficou-nos a certeza de que, lá, Deus precisava de falar connosco.
Com o abraço amigo de sempre,